Surto de cólera e conflitos armados estão dizimando a população do Haiti
A população haitiana está vivendo em condições terríveis e enfrenta diariamente uma situação sanitária e humanitária deplorável, que continua a se deteriorar, alerta Médicos Sem Fronteiras (MSF). Diante da explosão da violência e da escassez de combustível, as pessoas estão enfrentando dificuldades no acesso à água potável e a cuidados de saúde. Além disso, de acordo com o Ministério da Saúde do país, desde 25 de setembro, o Haiti vem registrando casos da cólera, o que não ocorria há mais de três anos e o país está longe de se refazer dos estragos provocados pelo terremoto de 2010.
O surto acontece em um contexto de uma crise política, econômica e de segurança sem precedentes. Porto Príncipe é hoje uma cidade cercada e sufocada, com as estradas principais que a conectam com o resto do país controladas por grupos armados.
O abastecimento de combustível após o desbloqueio do principal terminal de petróleo, em 4 de novembro, depois de o local ter ficado sob o controle de um grupo armado durante várias semanas, não resultou em uma mudança significativa para o país. Os combustíveis são caros demais para grande parte da população, que enfrenta uma grave crise econômica, e o funcionamento de unidades de saúde continua sendo afetado, com serviços fechados e o tráfego de ambulâncias reduzido. As pessoas que necessitam de assistência têm cada vez mais dificuldades de locomoção devido à pouca disponibilidade de transporte público por causa da falta de combustível no país. O acesso à água limpa – elemento crucial no combate a cólera – também depende da circulação de caminhões-pipa, que por sua vez dependem do acesso a combustíveis e do contexto de segurança. “A cidade está cheia de lixo que não tem sido coletado há meses”, afirma Mumuza Muhindo, coordenador-geral de MSF no país. “E não há distribuição de água em bairros como Brooklyn em Cité Soleil, onde as vias estão bloqueadas por lixo e alagadas por canais e canos de esgoto entupidos”, explica.
O reaparecimento da cólera ocorre em um momento em que a população do Haiti enfrenta enormes dificuldades para acessar cuidados de saúde. Insegurança e violência, agravadas por escassez de combustíveis e água potável têm forçado muitas instalações de saúde a reduzirem ou, em alguns casos, a cessarem por completo suas atividades. Adicionalmente, As pessoas que necessitam de assistência têm cada vez mais dificuldades de locomoção devido à pouca disponibilidade de transporte público por causa da falta de combustível no país.
Milhares de pessoas estão presas em uma área isolada do bairro Cité Soleil de Porto Príncipe, sem água potável, comida ou assistência médica, enquanto grupos armados lutam pelo controle da área.
Brooklyn, um território isolado de Cité Soleil, com uma população estimada de milhares de pessoas, fica em uma área costeira pantanosa ao norte de um terminal de petróleo. Desde o dia 8 de julho, quando os combates eclodiram em Cité Soleil, os moradores não conseguiram sair em meio aos confrontos, e os caminhões de água potável – dos quais os moradores dependem – não conseguiram entrar.
“Estamos pedindo a todos os lados do confronto que permitam que a assistência entre no Brooklyn e poupe os civis”, disse Muhindo “Também pedimos à comunidade humanitária que responda às necessidades urgentes da população do Brooklyn e outras regiões afetadas pelos combates, fornecendo, inclusive, água, alimentos e assistência médica.”
“Ao longo da única estrada para o Brooklyn, encontramos cadáveres em decomposição ou queimados”, continua Muhindo “Elas podem ser pessoas mortas durante os confrontos ou pessoas que foram baleadas ao tentar fugir. É um verdadeiro campo de batalha, não é possível estimar quantas pessoas foram mortas”, prossegue.
O conflito
Entre os dias 24 de abril e 7 de maio, os confrontos entre grupos armados na zona norte da capital saturaram completamente o hospital de Médicos Sem Fronteiras em Tabarre, uma das poucas unidades de saúde que continuam oferecendo serviços médicos na região.
Os conflitos nas ruas tiveram um impacto dramático no acesso aos cuidados médicos. Na zona norte da cidade, particularmente atingida pela violência e com grande fluxo de feridos, barricadas nas ruas impediam a circulação de veículos, incluindo ambulâncias. Sem meios de transporte, pacientes chegavam aos centros de emergência em funcionamento em Cité Soleil mais de 24 horas após terem sido feridos.
No Brooklyn, bairro densamente povoado, todas as vias de acesso foram bloqueadas no auge dos confrontos, exceto pelo mar. A população ficou presa, pois ninguém podia entrar ou sair do bairro sem se tornar um alvo. Até a água potável se tornou escassa, pois os caminhões-pipa que costumam abastecer esse bairro não podiam entrar nem sair.
Em outros bairros afetados por confrontos armados, muitas pessoas fugiram de suas casas e agora estão deslocadas. “Eles atearam fogo na minha casa, eu perdi tudo”, disse uma jovem depois de ser baleada nas pernas. “Sou assombrada pela ideia de ter que ir morar em um campo de deslocados quando sair do hospital”, afirmou.
Imagem em destaque: Porto Príncipe em 2010 após o terremoto. Foto de Marcello Casal jr/Agência Brasil.