Violência infantil no Brasil: 90% dos casos ocorrem em casa e crianças negras sofrem mais

Violência infantil no Brasil: 90% dos casos ocorrem em casa e crianças negras sofrem mais
Fonte Crédito: Pixabay

Mais de 90 por cento dos casos de violência e agressões contra crianças no Brasil acontece no ambiente doméstico. Essa é uma das conclusões da Pesquisa Nacional da Situação de Violência Contra Crianças no Ambiente Doméstico, divulgada hoje em evento na capital paulista pelo ChildFund Brasil. De acordo com o documento, 72,7% dos casos acontecem onde mora a vítima e o acusado da agressão, 15,7% na casa da vítima e 5,2% na casa do acusado. Os percentuais restantes (em torno de 6%) ficam distribuídos entre via pública (1,5%), casa de familiares (1%), ambiente virtual (0,8%), estabelecimento de ensino (0,5%) e de saúde (0,3%), por exemplo.  

O levantamento, feito entre outubro de 2022 e janeiro de 2023, escutou 698 pessoas, entre crianças, adolescentes, familiares e professores de crianças de zero a oito anos. Os questionários foram aplicados por telefone, de forma on-line e presencial. 

A pesquisa mobilizou diferentes esferas, instituições, representantes de organizações da sociedade civil, parceiros e parceiras da entidade, além de representantes institucionais da rede de atendimento a crianças em situação de violência. “O objetivo da pesquisa foi identificar possíveis lacunas e entraves na prevenção e no enfrentamento das violências contra as crianças e auxiliar na identificação de possibilidades de atuação, tanto do Estado, quanto da sociedade civil e das organizações da sociedade civil na erradicação desse problema”, explicou Maurício Cunha, diretor de país do ChildFund Brasil. 

Quanto aos tipos de violências registradas, a pesquisa apontou que, em primeiro lugar, estão as violências contra a integridade física das crianças e dos adolescentes. Maus-tratos, riscos à saúde, agressão, lesão corporal e tortura física atingiram 37,1%. Violência contra a integridade psíquica (exposição, constrangimento ou difamação) surgiu em segundo lugar, com 18,7%; Tortura psíquica, ameaça e alienação parental em terceiro, com 15,4%. Insubstância afetiva (11%), negligência (7,2%), violação de direitos sociais (4,3%), violências sexuais (4%) e condição análoga à escravidão (1,2%) ocupam os outros lugares em relação às maiores ocorrências.

Violência contra crianças negras

No documento, ilustrado com muitas informações relevantes, um gráfico chama a atenção. O de número 26. Ele registra a morte de crianças entre 0 a 9 anos de idade segundo sua cor. O que se vê ali não diz respeito unicamente à violência doméstica. É que o obituário no Brasil é a fonte estatística mais confiável em comparação com os dados fornecidos pela Segurança Pública, já que, desde 1973, é obrigatório o registro de todas as pessoas que morreram, no local onde a morte se deu. A análise cobre 20 anos, começando em 2000 e terminando em 2020. Nele, nota-se que, ao contrário do que acontece com crianças de outras raças, o índice de crianças negras mortas no período só cresceu (linha vermelha). A conclusão a que se chega é que as crianças negras (somando categorias de pretas e pardas, como é feito pelo IBGE) são as principais vítimas no Brasil, indicando uma violência contra crianças marcada pela desigualdade racial, social e de classe, estruturantes no país.

Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), de 2020, revelaram que cerca de 50% da população com menos de 18 anos foi vítima de violência doméstica, perpetrada comumente por familiares ou pessoas próximas. Esse tipo de violência ainda segue invisível e restrito à esfera privada, o que pode dificultar tanto a identificação do problema quanto a sua mitigação. 

Segundo a pesquisa, apesar de não ser tão perceptível quanto a violência física, a violência psicológica cometida contra crianças e adolescentes também é muito expressiva no Brasil. Só no ano de 2021, foram registrados no país 186.862 casos de denúncias de violações de direitos de crianças de até nove anos no Disque 100, do Governo Federal. “As violências físicas são, comumente, de melhor compreensão e identificação por parte das pessoas, sejam elas as próprias vítimas ou pessoas externas ao domicílio, como vizinhos, outros parentes e amigos. Mas é importante destacar que, habitualmente, elas não ocorrem de forma isolada, mas estão inseridas em algum ciclo de violência, somando-se a agressões e ameaças, por exemplo, ou agressões e privações de liberdade”, destaca Cunha.

A Pesquisa Nacional de Situação de Violência Contra Crianças no Ambiente Doméstico faz parte de um trabalho realizado em parceria entre duas instituições: o ChildFund Brasil, uma organização internacional que atua na promoção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes, para que alcancem seu pleno desenvolvimento, e The LEGO Foundation, que busca redefinir o brincar e reimaginar o aprendizado, construindo um futuro no qual o aprender, por meio do brincar, seja um instrumento que possibilite o desenvolvimento das crianças para que se tornem pessoas criativas e engajadas.

Violência doméstica no Brasil e no mundo

A violência doméstica é considerada um problema de saúde pública pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e tem dimensões globais. Os grupos mais vulneráveis – mulheres, idosos e crianças – são afetados constantemente em grandes proporções. Mesmo com todos os avanços legais e institucionais, a violência contra as crianças continua atingindo altos níveis. Esse é um problema que atravessa a história e impõe dificuldades para a garantia de Direitos Humanos. Aproximadamente uma em cada quatro crianças menores de cinco anos – cerca de 176 milhões – vive com uma mãe que é vítima de violência por parceiro íntimo. Aproximadamente três em cada quatro crianças com idades entre dois e quatro anos – cerca de 300 milhões – são regularmente submetidas a disciplina violenta por parte de seus cuidadores.

Embora quase todos os países (88%) possuam leis importantes para proteger as crianças contra a violência, em menos da metade (47%) essas leis têm sido fortemente aplicadas. Cerca de 40 mil crianças e adolescentes foram vítimas de homicídio só em 2017, no Brasil. Com a pandemia da COVID-19, várias instituições, principalmente as de ensino, foram fechadas para evitar a propagação do vírus e, nesse contexto, as crianças tiveram maior presença no ambiente doméstico, o que, em algumas ocasiões, pode ter gerado situações de violência. 

“Muitas crianças têm as escolas e outras instituições como aliadas para a quebra de ciclos de violências. Esse foi um dos fatores que agravou o cenário de violações contra as crianças, à semelhança das violências contra as mulheres, evidenciando a trama de violências preponderantes no ambiente doméstico”, ressaltou Águeda Barreto, Coordenadora de Advocacy no ChildFund Brasil. 

“A infância é a fase mais importante da vida, e é dever de todos zelar para que esta etapa da vida seja saudável e segura para todas as crianças”, concluiu Águeda.

A Agência PáginaUm de Notícias voltará a tratar da pesquisa em próximas ocasiões.

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