Um verme ajudou os norte-americanos Ambros e Ruvkun a ganharem o Prêmio Nobel de Medicina
Neste ano, o Prêmio Nobel de Medicina foi para os cientistas norte-americanos Victor Ambros e Gary Ruvkun, que descobriram a existência de pequenas moléculas de ácido ribonucleico (RNA), responsáveis pela maneira como os organismos, inclusive o humano, se desenvolvem e funcionam. Batizadas como microRNAs, essas moléculas explicam por que existem diferentes tipos de célula.
As informações armazenadas em nossos cromossomos podem ser comparadas a um manual de instruções para todas as células do nosso corpo. Cada célula contém os mesmos cromossomos, então cada célula contém exatamente o mesmo conjunto de genes e exatamente o mesmo conjunto de instruções. No entanto, diferentes tipos de células, como células musculares e nervosas, têm características muito distintas. Como essas diferenças surgem? A resposta está na regulação genética, que permite que cada célula selecione apenas as instruções relevantes. Isso garante que apenas o conjunto correto de genes esteja ativo em cada tipo de célula.
Ambros e Ruvkun queriam entender como diferentes tipos de células se desenvolvem e chegaram a essa nova classe de pequenas moléculas de RNA, que desempenham um papel crucial na regulação genética. Sua descoberta, surpreendente, revelou uma dimensão inteiramente nova para a regulação genética.
Graças a um verme
Tudo começou no final da década de 1980, quando os dois eram bolsistas de pós-doutorado no laboratório de Robert Horvitz, que recebeu o Prêmio Nobel em 2002, ao lado de Sydney Brenner e John Sulston. Estudavam um verme redondo relativamente modesto de 1 mm de comprimento, o
C. elegans. Apesar de seu pequeno tamanho, esse verme possui muitos tipos de células especializadas, como células nervosas e musculares, também encontradas em animais maiores e mais complexos, tornando-o um modelo útil para investigar como os tecidos se desenvolvem e amadurecem em organismos multicelulares.
Ambos continuaram analisando o verme, mesmo depois do pós-doutorado. Cada um a seu modo. Ambros na Universidade de Harvard, Ruvkun no Hospital Geral de Massachusetts e na Escola Médica de Harvard. Foram comparando suas pesquisas até chegarem à descoberta, que veio a público no ano de 1993 através de dois artigos da revista Cell.
Ensurdecedor silêncio
A reação da comunidade científica foi um estupendo e ensurdecedor silêncio. Embora os resultados fossem interessantes, o mecanismo incomum de regulação genética foi considerado algo que só acontecia com o C. elegans, sendo irrelevante para humanos e outros animais mais complexos. Essa percepção mudou a partir de 2000, quando o grupo de pesquisa de Ruvkun publicou a descoberta de um outro microRNA, altamente conservado e presente em todo o reino animal. O artigo despertou grande interesse e, nos anos seguintes, centenas de microRNAs diferentes foram sendo identificados.
Hoje, sabe-se que há mais de mil genes para diferentes microRNAs em humanos e que a regulação genética por microRNA é universal entre organismos multicelulares e está em ação há centenas de milhões de anos. Esse mecanismo permitiu a evolução de organismos cada vez mais complexos.
Agora sabemos, por pesquisas genéticas, que células e tecidos não se desenvolvem normalmente sem os microRNAs. Quando a regulação genética por microRNA acontece de modo anormal, ela pode contribuir para o câncer, e mutações em genes que codificam microRNAs foram encontradas em humanos, causando condições como perda auditiva congênita, distúrbios oculares e esqueléticos. Mutações em uma das proteínas necessárias para a produção de microRNA resultam na síndrome DICER1, uma síndrome rara, mas grave, associada ao câncer em vários órgãos e tecidos.