Saúde mental – a excessiva prescrição e o alto consumo de medicamentos preocupam
Dados mostram uma crescente nos casos de transtornos mentais no Brasil e no mundo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 720 milhões de pessoas sofrem com doenças mentais – aproximadamente 10% de toda a população mundial. Para além dos desafios originados pela recente pandemia, lidar com os problemas de saúde mental da população tem despontado como uma das prioridades de instituições públicas e privadas. No Brasil, a campanha Janeiro Branco foi instituída justamente para chamar atenção para o tema.
O mês de janeiro foi escolhido porque é nele que as pessoas estão mais focadas em resoluções e metas para o novo ano que se inicia. Foram observados diversos avanços no que se refere à discussão do tema, que até pouco tempo atrás era visto como tabu e pouco abordado fora das rodas de conversas entre profissionais.
Falar sobre saúde mental tem ajudado muita gente a entender que se trata de um problema de saúde que, assim como qualquer outro, deve ser encarado com seriedade e cuidado. Campanhas como o Janeiro Branco visam a conscientização sobre a importância do tema ser mantido em pauta e desmistificar a busca por ajuda profissional quando necessário. Hoje está mais claro o quanto saúde mental é uma questão de saúde pública. Ainda assim há muito para evoluirmos na compreensão do papel das organizações em garantir que novas políticas sejam desenvolvidas e implementadas, e visando resguardar um cuidado com menos estigma e abordado com a seriedade necessária.
Em meio a tanta informação sobre o tema, um dos aspectos centrais quanto a conscientização da população diz respeito à importância de se ter cuidado com o autodiagnóstico. “Muitas pessoas acreditam que um breve momento de tristeza ou dificuldade pode ser sinal de depressão, o que muitas vezes, infelizmente, é validado por profissionais de saúde. No entanto, o diagnóstico, que determina a decisão sobre a conduta terapêutica, é um dos temas mais complexos em saúde mental. Às vezes leva tempo para que se estabeleça um diagnóstico e tratamento adequados, e esse é um ponto extremamente sensível para o qual ainda carecemos de conscientização e clareza, haja vista o excesso de medicalização do sofrimento que observamos hoje, com o consumo de psicotrópicos (antidepressivos, ansiolíticos, antipsicóticos etc) nas alturas, atingindo recordes anualmente. Diagnósticos e prescrições precipitadas estão muitas vezes entre as causas-raiz de transtornos mentais, principalmente em crianças, adolescentes e jovens adultos, podendo traçar destinos catastróficos, impactando a funcionalidade por toda a vida.
Há sim sinais que chamam a atenção e requerem tratamento e intervenções precoces, mas é importante uma avaliação especializada para que esses sinais não se confundam com aspectos da personalidade que se transformam ao longo do desenvolvimento e de diferentes fases da vida. Um indivíduo mais extrovertido, por exemplo, que esteja mostrando comportamentos mais introvertidos, não necessariamente é um sinal de alerta, mas a perda de funcionalidade sim, pode ser. É necessário que a população receba orientações para identificar alguns sinais, mas, mais importante, que essas orientações sejam transmitidas sem preconceitos, pois isto é o que mais atrasa intervenções precoces e efetivas: o estigma de ser taxado de louco. Por isso, a busca por opinião profissional especializada é fundamental para um diagnóstico preciso.
Um dos grandes desafios atuais encontrados para o diagnóstico e a manutenção da saúde mental é resultado do isolamento e das transformações socioeconômicas impostas pela covid-19, que, somadas ao cenário político mundial atual e ao constante fluxo de notícias ruins, vêm afetando significativamente a integridade psíquica de muitos, aumentando as ocorrências de crises de ansiedade advindas das ameaças de instabilidade e de sintomas depressivos relacionados às perdas e lutos de tantos, também a cronicidade do clima de tensão e estresse.
Vale ressaltar que ansiedade e depressão são entidades clínicas diferentes, bem como seus respectivos tratamentos. Há casos mais graves para os quais a prescrição de medicamentos é necessária, além da psicoterapia. Mas há outros casos em que não (penso até que a maioria deles) e que a medicação “poderia” ser uma escolha.
Embora as datas sejam marcos importantes e de relevância, a sociedade não deve se lembrar da saúde mental apenas no janeiro branco ou no setembro amarelo. As datas e campanhas nos ajudam a conscientizar sim, mas a esperança é que as pessoas, as instituições de saúde, órgãos públicos responsáveis e profissionais da área estejam cada vez mais dispostos à desestigmatização e sempre atentos aos cuidados necessários.
Este artigo está sendo publicado com a única intenção de contribuir para o debate de temas de importância no cenário nacional/internacional. Este veículo de comunicação pode não concordar com o ponto de vista defendido por quem o redigiu.
Sócia-fundadora e diretora de psicologia na Vigilantes do Sono, empresa que auxilia pacientes e profissionais de saúde na condução da TCC-I (Terapia Cognitivo-Comportamental para Insônia).