São Paulo investe quase 2 mil vezes mais em policiar e prender do que em cuidar de quem sai da prisão

São Paulo investe quase 2 mil vezes mais em policiar e prender do que em cuidar de quem sai da prisão
Penitenciária federal de segurança máxima de Brasília. - Foto Crédito Marcelo Camargo/Agência Brasil

Para cada R$ 1.769 gastos com policiamento no estado de São Paulo, apenas R$ 1 é destinado para políticas que garantam os direitos de egressos do sistema prisional. Na mesma proporção, R$ 505 são gastos com o sistema penitenciário. Os números são do estudo inédito “O funil de investimento da segurança pública e prisional no Brasil”, realizado pelo Justa, organização que analisa dados do financiamento e da gestão do Sistema de Justiça. A pesquisa se refere ao período de 2021, com foco nos gastos com polícias, sistemas penitenciários e políticas para egressos. O levantamento contemplou informações orçamentárias de oito estados que, juntos, representam quase 60% do orçamento total de todas as 27 unidades federativas do país, sendo eles Bahia, Ceará, Goiás, Minas Gerais, Pará, Paraná, São Paulo e Tocantins, com o montante de R$ 593,1 bilhões.

Do orçamento total de São Paulo, de R$ 272,7 bilhões no ano, 5% foram destinados para polícias (R$13,8 bilhões), 1,4% para sistema penitenciário (R$ 3,9 bilhões) e 0,003% (R$ 8 milhões) para egressos da prisão. Houve, ainda, destinação de R$ 52 milhões, o equivalente a 0,019% do orçamento, para ações de governo mistas, que alcançam os egressos também.

Para se ter uma ideia de como manter o sistema prisional paulista é caro, gasta-se mais com ações para esse fim no estado, com R$ 3,9 bilhões em orçamento, do que para as áreas de assistência social (R$ 1,2 bilhão), trabalho (R$ 222 milhões) e cultura (R$ 1,1 bilhão) que, juntas, somaram R$ 2,5 bilhões em 2021.

De acordo com o Justa, o levantamento revela que os investimentos nas polícias e no sistema prisional não são acompanhados por políticas que garantam os direitos para os egressos penitenciários, sendo praticamente nulo o recurso destinado a ações para essa população nos estados. A organização defende que essa proporção seja revista, com inversão do funil de investimentos, redirecionando recursos da porta de entrada para a porta de saída do sistema prisional. As ações destinadas a egressos da prisão se referem, no geral, ainda que de maneira não exclusiva, a programas de ressocialização, formação educacional, capacitação profissional, atendimento social e psicológico, provisão de postos de trabalho, entre outros.

Orçamento no conjunto dos estados

O estudo concluiu que, na análise dos oito estados juntos, em média para cada R$ 2.758 gastos com policiamento nos estados, R$ 678 são gastos com o sistema penitenciário e apenas R$ 1 é destinado para políticas que garantam os direitos de egressos do sistema prisional.

A pesquisa mostra que, em 2021, os oito estados analisados destinaram para políticas criminais a soma de R$ 35,9 bilhões para policiamento, R$ 8,8 bilhões para sistema penitenciário e apenas R$ 13 milhões para políticas para egressos, em um total de R$ 44,7 bilhões. Assim, 6% do orçamento dessas oito unidades da Federação, juntas, foram destinados para políticas criminais.

FUNIL DE INVESTIMENTOS

Fonte: Portais da Transparência dos estados | Elaboração Justa

Segundo a diretora executiva do Justa, Luciana Zaffalon, os dados evidenciam que, hoje, não há políticas que garantam direitos e geração de oportunidades para os egressos do sistema penitenciário. “Quais as possibilidades existentes hoje para quem deixa a prisão? Os dados mostram que quase nenhuma”, avalia.

Luciana destaca, ainda, que o levantamento reforça a urgência de os governos repensarem o desenho da política criminal e interromperem a retroalimentação de um sistema que gera ainda mais violência. “É fundamental reverter essa lógica de gastar mais com polícia e repressão e menos com quem está saindo da prisão. Só assim teremos condições de reduzir o encarceramento em massa e, então, romper com o atual ciclo de violência institucional produzido pela passagem pelo cárcere e com a consequente exclusão social.”

Política transversal e racial

O estudo do Justa reflete sobre a atual lógica de encarceramento em massa no país, que atinge, principalmente, os negros. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, das 820 mil pessoas encarceradas no país, 67,5% são negras. “Há um débito com a população negra, hoje a mais afetada pela política de segurança pública. É preciso inverter os investimentos que, hoje, estão destinados principalmente a ações ostensivas e radicalizadas, em nome de uma lei de drogas ineficiente”, defende Luciana.

O Justa destaca que os investimentos altos dos governos estaduais no policiamento, principalmente no militar, refletem em um recorte geográfico muito específico. “A polícia que atua de maneira ostensiva está nas favelas. Precisamos corrigir esse percurso e reduzir o financiamento dessas práticas”, analisa a diretora executiva.

A ideia defendida está em linha com a mobilização internacional conhecida como “Defund the Police”, que questiona o papel da polícia na sociedade e propõe construir um novo sistema de segurança pública com foco na comunidade e no social.

A organização recomenda tratar a política de segurança pública com a devida transversalidade que ela tem. “Ela afeta todas as demais áreas, assim como é afetada por todas elas. O diálogo com outras políticas, como de educação, habitação, saúde e lazer, é fundamental para reverter o tão caro e ineficiente encarceramento em massa”, afirma Luciana.

Estados analisados

Entre os oito estados analisados pelo estudo do Justa, os que mais gastaram proporcionalmente com as polícias foram Tocantins, Goiás e Ceará, nesta ordem. Os estados destinaram, respectivamente, 8,5%, 8% e 8% do total do orçamento para policiamento.

O levantamento também mostra que apenas dois dos oito estados analisados apresentaram gastos no orçamento geral de 2021 em políticas exclusivamente para egressos, sendo São Paulo e Pará. Na maioria dos estados, os recursos que atendem a essa parcela da população estão alocados em ações mistas de governo, em valores muito inferiores aos alocados para outras frentes de política criminal.

Sobre o Justa

O Justa é uma organização social de pesquisa que se propõe a facilitar o entendimento e a visualização de dados do financiamento e da gestão do Sistema de Justiça. O objetivo da iniciativa é mostrar os impactos que a proximidade entre os Três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – pode ter na vida social e na organização democrática, principalmente nos temas de segurança pública e a justiça criminal, âmbitos em que os direitos e a liberdade da população são decididos e nos quais a responsabilização do Estado por eventuais violações precisa de maior atenção.

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