Produto químico muito usado em indústrias e residências é associado à doença de Parkinson

Produto químico muito usado em indústrias e residências é associado à doença de Parkinson
Foto Crédito: National Cancer Institute/Unsplash

Um produto químico muito utilizado pela indústria e também muito presente nas nossas casas está cada vez mais sendo associado à doença de Parkinson, muito comum entre nós. O nome desse produto é tricloroetileno ou simplesmente TCE. É conhecido por outros nomes também (veja no final desta matéria). Seu uso se espalhou dos anos 70 para cá, sendo muito empregado como desengordurante de metais, na extração de óleos vegetais, no processo de retirada da cafeína do café, na lavagem a seco, em inúmeros produtos removedores, tintas, colas, adesivos, combustíveis, purificadores de ar, naqueles corretivos líquidos que a gente usa quando erramos ao escrever algo, em chapas e lentes fotográficas etc. É usado inclusive nos hospitais, como inalante anestésico. Ele se mistura facilmente na água, a temperatura ambiente, e também no ar. Por isso, ele é muito perigoso, porque não percebemos a sua presença no nosso dia a dia.

Pesquisadores da Universidade de Rochester, de Nova Iorque, publicaram recentemente um artigo, no qual observam que, por mais de um século, o TCE vem ameaçando os trabalhadores, poluindo o ar que respiramos e contaminando a água que bebemos e seu uso no mundo não está diminuindo. Ao contrário, está crescendo. Eles apresentam a história de Brian Grant, um jogador profissional de basquete que jogou por 12 anos na NBA e que foi diagnosticado com Parkinson aos 36 anos de idade. Ele foi exposto ao TCE quando tinha apenas 3 anos e seu pai, que era fuzileiro naval, estava servindo em Camp Lejeune, uma base militar na Carolina do Norte. Grant criou uma fundação para inspirar e apoiar pessoas com a doença. Amy Lindberg também bebeu água potável contaminada enquanto servia como capitã da marinha nessa mesma base militar, tendo sido diagnosticada com a doença 30 anos depois. O artigo detalha a situação de outras pessoas, cuja exposição ao TCE se deu porque moravam perto de um local contaminado ou trabalhavam com o produto químico, incluindo o falecido senador americano Johnny Isakson, que deixou o cargo, após saber que estava com a doença em 2015. Cinquenta anos antes, ele serviu no Georgia Air National Guard, que usava TCE para desengordurar aviões.

O TCE foi um solvente amplamente utilizado em uma série de aplicações industriais, de consumo, em bases militares e hospitais e teve seu auge nos Estados Unidos em 1970, quando mais de 272 milhões de quilos do produto químico – ou quase um quilo por americano – eram fabricadas. Cerca de 10 milhões de americanos trabalharam com o produto químico ou outros solventes industriais similares. Embora o uso doméstico tenha diminuído ao longo do tempo, o TCE ainda é usado para desengordurar metais e limpeza a seco nos Estados Unidos.

Não se sabe quanto tricloroetileno é usado no Brasil hoje em dia, porém sua compra pode ser feita em sites de comércio ao consumidor na internet tranquilamente. Indústrias químicas brasileiras oferecem o produto em seu catálogo. Trata-se de um produto controlado e fiscalizado pela Polícia Federal por seu uso na produção de drogas ilícitas inalantes.

Também é cancerígeno

De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA), o TCE é um solvente amplamente utilizado na extração de gorduras, óleos e ceras, como desengraxante. Também é bastante empregado pela indústria de transformação de tecidos para limpar algodão, lã e outros tecidos; em operações de limpeza a seco; como componente de adesivos, lubrificantes, tintas, vernizes, descascadores de tinta, limpadores de metais frios, na extração seletiva de certos alimentos (remoção da cafeína do café, por exemplo) e drogas. Resíduos também podem ser encontrados em agrotóxicos, resinas, colas, ceras, tintas e vernizes. Entre os cuidados que se deve ter em relação ao TCE, o INCA recomenda não respirar os vapores, utilizar o produto somente em zonas bem ventiladas, evitar o contato com a pele e os olhos, evitar o contato com chamas desprotegidas e superfícies quentes, utilizar os equipamentos de proteção individual (EPI) para evitar o contato direto com o produto.

Mas como se proteger quando se bebe água contaminada ou se respira o ar que entra em nossas casas?

A ilustração mostra como a contaminação acontece.

Ilustraçãoi extraída do artigo da Universidade de Rochester. Adaptada por Agência PáginaUm de Notícias/Marco Antonio Rosa.

Na indústria, o produto sai pelas chaminés contaminando o ar. Mau armazenamento contamina o solo, o produto chega aos rios, a água evapora e leva o tricloroetileno para dentro das casas e também pode chegar nas residências pelos encanamentos. Além disso, a água carrega o TCE por longas distâncias, podendo afetar populações não próximas às unidades fabris.

Até algum tempo atrás, não se sabia que um produto químico podia ser inalado nas casas sem que se percebesse. Isso foi descoberto na década de 80, quando se descobriu que o radônio entrava nas residências como um intruso, contaminando quem ali morasse. Hoje, nos Estados Unidos, milhões de lares são testados para o radônio, mas não para o TCE.

Um outro estudo, desta vez liderado por Samuel M. Goldman, professor da Escola de Medicina da Universidade da Califórnia, em São Francisco, EUA, concluiu que o risco de doença de Parkinson foi 70% maior em veteranos de Camp Lejeune em comparação com veteranos que serviram numa base do corpo de fuzileiros navais dos EUA em que a água não estava contaminada. A pesquisa envolveu 340.489 membros do serviço militar norte-americano.

Mas o que aconteceu por lá?

Durante décadas, centenas de milhares de militares norte-americanos, suas famílias e trabalhadores civis que vivem e trabalham na Base do Corpo de Fuzileiros Navais Camp Lejeune, na Carolina do Norte, foram expostos a substâncias químicas cancerígenas em sua água potável. A contaminação da água de Camp Lejeune resultou em inúmeros casos de câncer, mal de Parkinson, problemas reprodutivos e outras doenças graves.

A contaminação da água ocorreu entre 1953 e 1987. Dois sistemas principais de distribuição de água, Hadna Point e Tarawa Terrace, forneceram água contaminada para a base principal de Camp Lejeune, quartéis, moradias familiares e áreas de moradia temporária, bem como instalações como creches, hospitais e escolas.

A água contaminada continha solventes industriais, benzeno e outros produtos químicos nocivos e cancerígenos em níveis que variavam de 240 a 3.400 vezes o limite permitido. Vários compostos orgânicos voláteis, ou VOCs, foram detectados em altos níveis na água em Camp Lejeune, incluindo PCE (percloroetileno), um solvente para limpeza a seco, e TCE (tricoloroetileno), um desengordurante industrial. Mais de setenta produtos químicos nocivos ao todo foram encontrados na água.

Além dos poços, outras duas fontes de contaminação foram identificadas: a) as unidades da base que limparam equipamentos militares; b) vazamentos de combustível verificados em tanques subterrâneos de armazenamento. Benzeno, PCE, TCE e outros tóxicos nocivos vazaram pelo solo, contaminando a água do poço.

Testes, relatórios e investigações malsucedidos prolongaram o tempo em que os poços perigosos permaneceram em uso, resultando num número muito maior de pessoas com câncer e outras doenças que, de outra forma, não teriam ocorrido. Entre 1982 e 1985, várias tentativas foram feitas para alertar os funcionários da base sobre a água contaminada em Camp Lejeune, mas nenhuma ação imediata foi tomada.

Em consequência, as pessoas prejudicadas foram impedidas de buscar indenização pela doença e pela perda de entes queridos. Um projeto de lei que faz justiça às vítimas de Camp Lejeune passou pela Câmara dos Representantes dos EUA em março de 2022 e agora está em análise no Senado. Aprovada, A Lei de Justiça Camp Lejeune vai permitir que os veteranos e seus familiares apresentem evidências de lesões sofridas pela água contaminada pela primeira vez em um tribunal. Qualquer pessoa que viveu ou trabelhou em Camp Lejeune (inclusive no útero) por pelo menos 30 dias desde 1º de agosto de 1953 e 31 de dezembro de 1987, pode se qualificar para registrar uma reclamação de contaminação da água em Camp Lejeune.

Proibição definitiva do TCE

Diante desse quadro, os pesquisadores da Universidade de Rochester pedem o fim definitivo do uso desses produtos químicos nos EUA. O PCE, um primo do TCE, ainda é amplamente utilizado hoje em limpeza a seco e o TCE em desengorduramento a vapor. Dois estados, Minnesota e Nova Iorque, proibiram o TCE, mas o governo federal não, apesar de a EPA (Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos) ter descoberto, em 2022, que esses produtos químicos representam “um risco irracional para a saúde humana”. 

Nomes dados ao TCE

O TRICLOROETENO também é conhecido como TRICLENO, TEC, NARCOGENO, TRIASOL, TRILENO, TRICLORETO DE ACETILENO, BENZINOL, 1,1,2-TRICLOROETENO, 1,1-DICLORO-2-CLOROETILENO, 1-CLORO-2,2DICLOROETILENO, ACETILENO TRICLORETO, TCE, TRETILENO.

* Redigida por Marco Antonio Rosa

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