Pesquisadores da Unesp creem ter chegado à solução do Problema 16, de David Hilbert
“Quem de nós não ficaria feliz em levantar o véu atrás do qual o futuro está oculto; lançar um olhar sobre os próximos avanços de nossa ciência e sobre os segredos de seu desenvolvimento nos séculos vindouros?” Com esse questionamento, o matemático alemão David Hilbert iniciou sua palestra de abertura do Congresso Internacional de Matemáticos de 1900, realizado em Paris. Durante sua fala, Hilbert passeou pela história da matemática para apresentar uma lista de 23 problemas desenvolvidos por ele e que ainda estavam sem solução. O matemático acreditava que a busca pelas respostas e reflexões em cima desses postulados iria nortear os avanços da física e da matemática no próximo século.
Passados 124 anos, a maioria dos Problemas de Hilbert foi parcial ou totalmente solucionada. A exceção fica por conta dos problemas 8, 13 e 16, que seguem suscitando esforços de especialistas ao redor do mundo. O problema 16, chamado “Problema da topologia de curvas e superfícies algébricas”, é dividido em duas partes e cobre o encontro da álgebra e da geometria na matemática; solucioná-lo permitiria gerar aplicações em áreas como ecologia, engenharia e computação quântica. Sua história, entretanto, tem sido conturbada. No passado, vários pesquisadores acreditavam ter encontrado uma solução adequada. No entanto, nenhuma das propostas foi considerada válida pela comunidade dos matemáticos, culminando, inclusive, na retirada de um artigo publicado, em 2004, na revista científica Nonlinear Analysis.
Duas décadas após esse evento, pesquisadores da Unesp acreditam que finalmente foram capazes de encontrar uma resposta definitiva para a questão. A solução foi proposta por Vinícius Barros da Silva, por seu orientador no curso de doutorado em Física Aplicada pela Unesp, Edson Denis Leonel, e pelo matemático João Peres Vieira. Leonel e Vieira são docentes dos Departamentos de Física e Matemática do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Unesp, campus de Rio Claro.
“A principal motivação para investigar esse problema foi, em primeiro lugar, o desafio, já que muitos matemáticos e físicos não conseguiram encontrar uma resposta”, diz Silva. “Acho que isso se deve em parte ao fato de que as abordagens anteriores não atacavam o problema diretamente, e algumas traziam uma versão simplificada da questão”, diz.
A pergunta em aberto
A questão apresentada no 16o Problema de Hilbert envolve determinar o número máximo de “ciclos limites” em expressões matemáticas que são usadas para descrever como determinados fenômenos variam ao longo do tempo, chamadas equações diferenciais polinomiais. Essas equações podem ser aplicadas, por exemplo, para gerar previsões sobre como uma população de animais irá mudar ao longo do tempo.
Já os ciclos limites são padrões repetitivos que aparecem nas soluções dessas equações. Utilizando as mudanças de populações de animais como exemplo, os ciclos limites representam os padrões ou seja, a repetição de determinadas tendências. Tomemos por base o exemplo das populações de animais para explicar o conceito. Em um ambiente de floresta em que convivem presas e predadores, ao aumento de uma população de presas segue-se o crescimento no número de predadores. A ação de um número maior de predadores resulta numa queda na população de presas e, consequentemente, em uma queda na população de predadores, o que enseja, novamente, um novo aumento na população de presas.
De maneira simplificada, o trio de pesquisadores conseguiu resolver a pergunta de como seria possível prever quantos tipos diferentes de padrões (ou ciclos) poderiam aparecer nessa floresta antes que ela entrasse em uma rotina, ou seja, antes que as mudanças passassem a se repetir sempre da mesma forma. Esse comportamento, que tende a uma rotina após alguns ciclos de mudança, já foi bastante observado por físicos em diferentes sistemas, que vão desde escalas atômicas até meteorológicas. Mas, embora o fenômeno fosse bastante familiar aos pesquisadores, até agora não existiam descrições matemáticas que explicassem e trouxessem mais informações sobre esse tipo de funcionamento.
Um novo olhar para o problema
Até então, todas as tentativas de resolução do problema eram feitas a partir dos mesmos métodos matemáticos. Para Silva, esse fator dificultou a busca por respostas. Segundo o físico, as principais abordagens estavam divididas entre a utilização de teoremas negativos e os métodos aproximativos. “O grande problema com essa abordagem é que, no caso dos teoremas negativos, eles são muito bons para identificar quando o sistema não tem um ciclo limite, mas ele não fornece nenhuma informação além disso. Esses teoremas nos permitem descobrir apenas se há ou não um ciclo limite, mas quantos são? Não temos como saber”, diz. A problemática da segunda abordagem está na simplificação do problema, porque pode ser utilizada apenas para encontrar o número mínimo de ciclos limites. Entretanto, o problema de Hilbert busca uma resposta para o número máximo.
O pulo do gato para o grupo veio ao tentar abordar o problema a partir da geometria. Os pesquisadores utilizaram um método chamado geometria de informação de Fisher, que permite gerar um mapa que mede as “distâncias” entre diferentes estados de um sistema – como os momentos em que há mais ou menos predadores e presas. A visualização dessas distâncias gera um tipo específico de curva e, a partir de simulações em diferentes sistemas, o grupo percebeu que a resposta para o número de ciclos limites estava contida na curvatura gerada nesse mapa.
“Identificamos que quando um sistema não tinha um ciclo limite, a curvatura era zero ou negativa; quando existia apenas um ciclo limite; a curvatura era positiva e se tornava infinita em pontos simétricos em relação à origem do sistema. Agora, quando o sistema tinha mais de um ciclo limite, a curvatura divergia em pontos diferentes, não simétricos”, diz Silva. Cada um desses pontos, presentes na curva e que determinam o caminho que o sistema irá seguir, correspondem a um ciclo limite. Com essa visualização, o grupo percebeu que era capaz não apenas de identificar quantos ciclos limites um determinado sistema tem, mas também onde eles estão posicionados no espaço, contribuindo para a solução do problema. O grupo apelidou essa nova abordagem de Teoria Geométrica de Bifurcações.