Dossiê registra o assassinato de 131 pessoas travestis e transexuais em 2022 no Brasil
Um levantamento realizado pela Associação Nacional de travestis e transexuais (ANTRA) revela que, em 2022, 131 pessoas trans foram assassinadas no Brasil. Outras 20 tiraram a própria vida diante da discriminação e do preconceito presente na sociedade brasileira. Os dados constam no “Dossiê: Assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras”, que foi entregue ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) nesta quinta-feira (26).
Na apresentação, Bruna Benevides, secretária de Articulação Política da associação, aponta que a estimativa média de vida de pessoas trans em 2022, no Brasil, foi de 29,5 anos, sendo que 79,8% são pessoas negras e pardas.
Do total de 151 pessoas trans mortas no ano que passou, 65% dos casos foram motivados por crimes de ódio, com requinte de crueldade. 72% dos suspeitos não tinham vínculo com a vítima. De acordo com o relatório, a identidade de gênero é um fator determinante para essa violência.
A violência comparada
Estudo recém-publicado por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG,) em parceria com Ministério da Saúde e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), constatou que lésbicas, gays, bissexuais e outras minorias sexuais (LGB+) no Brasil têm mais que o dobro de chances de sofrer violência psicológica, física e sexual em relação às pessoas que se identificaram heterossexuais.
A pesquisa, que utilizou base de dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019, contou com a participação de 88.531 pessoas com 18 anos ou mais residentes no Brasil. As pessoas LGB+ tiveram 2,52 vezes mais chances de sofrer violência que as heterossexuais. Os homens que se declararam LGB+ tiveram 2,69 vezes mais chances de sofrer violência que os heterossexuais e as mulheres LGB+ tiveram 2,40 vezes mais chances que as heterossexuais, no período de 12 meses anterior à pesquisa.
A coordenadora do estudo e professora da Escola de Enfermagem da UFMG, Deborah Carvalho Malta, relata que, devido ao fato de se diferirem do esperado enquanto padrão estabelecido, essa população encara discriminação, vulnerabilidades e invisibilidade, sofrendo o chamado preconceito contra a diversidade sexual. “Uma das consequências desse preconceito é a maior susceptibilidade dessa população à violência. A violência é um problema de saúde pública e seu enfrentamento faz parte dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030. Pessoas expostas à violência podem apresentar desfechos desfavoráveis em saúde, tanto psicológicos como físicos e sexuais. Dentre as principais consequências de atos violentos, pode-se destacar a depressão, transtorno do estresse pós-traumático, fraturas, traumatismos cranianos, além de contaminação por infecções sexualmente transmissíveis e gravidez não desejada”, enfatizou.
Ela destaca, ainda, que essa investigação sobre a orientação sexual de brasileiros adultos foi incluída pela primeira vez na PNS e que levanta múltiplas possibilidades de análises quanto à saúde e aos fatores de risco e proteção da população LGB+, dentre elas, a violência.
Conforme o estudo, as pessoas LGB+ têm três vezes mais chances de serem vítimas de violência física, 14,7% informaram ter sofrido algum tipo desta violência. Entre os heterossexuais, a parcela foi de 3,82%. No que diz respeito à violência sexual, a possibilidade de pessoas LGB+ passarem por esse tipo de violência é quase cinco vezes maior (4,86%) que a de heterossexuais (0,68%). Dentre muitas questões que envolvem essa situação, uma delas é a ocorrência de “estupro corretivo”, em que pessoas não-heterossexuais sofrem abusos em que a intencionalidade do agressor é controlar o comportamento social e/ou sexual da vítima. Já a violência psicológica, mais frequente que os outros dois tipos, atingiu 40,03% dos entrevistados LGB+ e 16,73% da população heterossexual como um todo.
Em todos os subtipos de violência, as maiores prevalências ocorreram entre mulheres LGB+: psicológica (40,53%); física (15,84); sexual (5,50%). As menores prevalências foram entre homens heterossexuais: psicológica (15,33%); física (3,71%); sexual (0,34). “Esse achado demonstra que existe um aumento da vivência de violência a partir do acúmulo de vulnerabilidades sociais que as pessoas experienciam. Mulheres lésbicas e bissexuais sofrem com uma dupla discriminação: sexismo e preconceito contra a diversidade sexual”, explica.
Informação subnotificada
A pesquisa constatou que o percentual de pessoas que se recusaram a responder à pergunta sobre orientação sexual foi de 2,28%, superando o de pessoas que se autoidentificaram LGB+ (1,89%). “Esse fato demonstra que a questão da diversidade sexual é estigmatizante no Brasil. A população LGB+ sofre historicamente com preconceitos e discriminações de cunho religioso, moral e até mesmo de assistência à saúde. Dessa forma, muitas vezes as pessoas tentam esconder sua orientação dissidente e a recusa a responder à questão pode ser uma forma de se proteger”, relata.
“A professora Deborah salientou que o estudo sobre a violência tem grande relevância no contexto da população LGB+, uma vez que permite compreender a complexidade da vulnerabilidade a que este grupo está exposto. “Assim, conhecer as características desse agravo favorece a implementação e o fortalecimento de Políticas Públicas que visem o enfrentamento ao preconceito contra a diversidade sexual e seja possível garantir os direitos”, conclui.
A equipe da pesquisa é formada também pelas doutorandas do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da UFMG Nádia Machado de Vasconcelos e Isabella Vitral Pinto, a aluna de pós-doutorado em Enfermagem Gisele Nepomuceno de Andrade, Adauto Martins Soares Filho, do Departamento de Doenças e Agravos Não-Transmissíveis, Ministério da Saúde e Cimar Azeredo Pereira, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.