Pesquisa encontra pesticida proibido em papinhas para bebês vendidas em São Paulo

Pesquisa encontra pesticida proibido em papinhas para bebês vendidas em São Paulo
Foto Crédito Pixabay

Estudo conduzido por cientistas do Brasil e da Espanha rastreou a presença de 21 agrotóxicos (incluindo fungicidas, inseticidas e herbicidas) e quatro toxinas produzidas por fungos do gênero Aspergillus (aflatoxinas) em 50 amostras de alimentos industrializados para bebês comercializados em supermercados no Estado de São Paulo. Entre eles, o aldicarbe, um pesticida proibido no Brasil desde 2012 e encontrado em três sabores de papinhas: caldo de feijão, arroz e carne; legumes e carne; e abóbora, feijão preto e peito de frango. A toxicidade do aldicarbe é tão alta que era usada para matar ratos, o famoso “chumbinho”.

A boa notícia é que não foram encontradas nas amostras selecionadas as temidas aflatoxinas, que são tóxicas ao organismo humano e de animais e podem surgir em cereais, grãos e outros cultivos. A aflatoxina B1, por exemplo, é comprovadamente carcinogênica.

A pesquisa foi conduzida pela engenheira de alimentos Rafaela Prata, com apoio da FAPESP, e divulgada na revista Food Control.

Quanto aos agrotóxicos, o estudo revelou inicialmente a presença de sete dos 21 compostos rastreados. “Encontramos resíduos de pesticidas em 68% das amostras analisadas de alimentos infantis. No recorte por composição e sabor, 47% das papinhas com frutas apresentaram pelo menos um resíduo de agrotóxico, índice que foi de 85% para as comidas de bebês à base de carne e vegetais”, descreve a pesquisadora.

As concentrações dos agrotóxicos identificados ficaram abaixo dos limites máximos de resíduos estabelecidos pela legislação europeia desde 2006, que foi usada como padrão no estudo. De modo geral, na União Europeia, o limite é de 10 microgramas por quilo de alimento para diferentes agrotóxicos. Limites ainda mais baixos foram determinados para agrotóxicos específicos, como fipronil (4 microgramas por quilo). “Não existe, no Brasil, uma legislação própria para limitar a concentração de resíduos de agrotóxicos em alimentos infantis”, diz Prata. “O que existe são monografias sobre agrotóxicos no site da Agência Nacional de Vigilância Sanitária [Anvisa], que consultamos para ver em quais cultivos o uso de determinado produto é autorizado, bem como os limites máximos em alimentos, mas nada sobre as papinhas”, diz Prata.

Para a pesquisadora, falta uma regulamentação específica para esses produtos. “Os bebês são um grupo populacional sensível e vulnerável porque ingerem mais alimentos por quilograma de peso corporal do que os adultos e seus sistemas de desintoxicação e vias metabólicas não estão totalmente desenvolvidos. É importante conhecer a composição dos alimentos oferecidos a eles”, justifica a pesquisadora.

“Ainda que estejam dentro dos limites preconizados pela legislação europeia, o ideal é que essas substâncias não sejam encontradas em alimentos infantis”, afirma o pesquisador espanhol Roberto Romero-González. Referência internacional no estudo de contaminantes e supervisor deste projeto de pesquisa no exterior, González é um dos líderes do Laboratório de Química Analítica e Contaminantes do Research Centre for Mediterranean Intensive Agrosystems and Agri-Food Biotechnology (Ciaimbital), na Universidade de Almeria, na Espanha, onde foi realizada parte das análises das papinhas brasileiras, com financiamento da FAPESP.

Faltam estudos

A presença de pesticidas e de toxinas produzidas por fungos em alimentos infantis ainda é pouco estudada no Brasil, embora avance em países europeus. “Somos um dos maiores consumidores dessas substâncias do mundo. Precisamos investir nesse tipo de pesquisa”, defende Prata. “Até onde sabemos, foi a primeira análise feita com uma metodologia desenvolvida para identificar pesticidas de classes diferentes e micotoxinas em alimentos infantis à base de carnes e vegetais.”

Parte da investigação foi conduzida no Laboratório de Análises de Alimentos I da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), sob a coordenação da professora Helena Godoy, que estuda contaminantes em alimentos infantis e validação de métodos com apoio da FAPESP. Anteriormente, o país dispunha apenas de dados sobre a contaminação por agrotóxicos em papinhas feitas com frutas.

Logo depois dessa análise, o grupo submeteu as mesmas amostras a uma nova triagem para rastrear a presença de 2.424 contaminantes não abordados a princípio, entre eles outros pesticidas, hormônios, medicamentos veterinários e seus metabólitos (substâncias derivadas da metabolização desses compostos químicos pelo organismo humano).

“Encontramos mais dez agrotóxicos e um metabólito, demonstrando que o método que desenvolvemos é sensível e eficaz”, diz Prata. Ela se refere ao processo de inovação, com uso de novos materiais, para adaptar metodologias usadas para identificar um único composto à detecção simultânea de um conjunto de resíduos de agrotóxicos e micotoxinas. “Nós conseguimos desenvolver um método analítico multirresíduos confiável e validá-lo totalmente. Pode ser uma ferramenta útil para programas de vigilância de alimentos”, afirma.

Segundo a pesquisadora, o metabólito sulfóxido de aldicarbe foi encontrado em três sabores de papinhas: caldo de feijão, arroz e carne; legumes e carne; e abóbora, feijão preto e peito de frango. O teste não mediu a quantidade de resíduos.

O aldicarbe é um pesticida proibido no Brasil desde 2012. Por sua alta toxicidade, era usado ilegalmente como raticida (o popular “chumbinho”). Segundo o toxicologista Daniel Junqueira Dorta, professor de química forense na USP de Ribeirão Preto, trata-se de pesticida que se degrada rapidamente no solo, em cerca de duas ou três semanas. A presença de resíduos no alimento sugere, portanto, o uso irregular nas lavouras. Da mesma forma, o composto se degrada rapidamente no organismo e é eliminado.

“O efeito pior do aldicarbe é agudo, por concentração mais alta”, diz o toxicologista. “De todo modo, não deveria haver resíduo desse tipo de jeito nenhum”, diz o toxicologista. Para a professora Helenice de Souza Spinosa, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, que analisou a toxicidade do composto em cães e gatos, o achado é relevante e precisa ser mais bem investigado e detalhado. Ela lembra ainda que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), além das próprias empresas, faz o monitoramento da presença de contaminantes nos alimentos por amostragem regularmente.

“Se você pensar que a criança vai se alimentar com pequena quantidade e nesse estudo nem está quantificado, ou seja, podem ser apenas traços, isso não vai causar intoxicação aguda. Mas o achado é importante: embora proibido, pode ser que estejam usando e não sabemos”, diz Spinosa.


Com informações da Agência FAPESP. Reproduzido de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

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