Olho nesses simpáticos robôs domésticos! Eles espiam o que você faz e podem expor você na web
Marco Antonio Rosa (*)
Você está fazendo sexo com seu companheiro ou companheira na sala enquanto um robô cuida da limpeza da casa. O equipamento passa por vários cômodos da residência até que entra onde vocês estão. Ele continua fazendo o seu serviço. Vocês também continuam fazendo sexo. Só que aquele inofensivo aparelho adquirido para facilitar a vida do casal está, agora mesmo, enviando imagens para uma central. E alguém (ou um outro robô), muito longe dali, está recebendo as imagens de vocês dois em um momento muito íntimo. De repente, sem ninguém se dar conta, as imagens aparecem na internet e a vida íntima de vocês fica exposta!
Impossível? De jeito nenhum. Não faz muito tempo, no final de 2020, 15 imagens privativas vazaram na internet, originadas em países como Estados Unidos, França, Japão, Alemanha e Espanha. Numa delas, a moradora da casa tem sua intimidade revelada no banheiro. As fotos foram tiradas por um aspirador doméstico da iRobot, empresa das mais conceituadas no ramo e que foi adquirida pela Amazon em agosto deste ano. Elas apareceram on-line, em fóruns fechados é verdade, mas isso não deveria jamais acontecer. E não foi a primeira violação de privacidade de que se tem notícia. Segundo a revista Technology Review, o aspirador da iRobot já espalhou o rosto de uma criança por esse mundo virtual afora.
A empresa destaca seus feitos. Fundada em 1990 por especialistas em robótica do Massachusetts Institute of Technology, seus robôs revelaram os mistérios da Grande Pirâmide de Gizé, encontraram óleo submarino nocivo no Golfo do México e salvaram milhares de vidas em áreas de conflito e crise em todo o mundo. A iRobot inspirou os primeiros Micro Rovers usados pela NASA, mudando as viagens espaciais para sempre, implantou os primeiros robôs terrestres usados pelas Forças dos EUA em conflitos, trouxe os primeiros robôs de presença remota aprovados pela FDA [a Anvisa norte-americana] com navegação automática para hospitais e introduziu o primeiro robô doméstico prático com o Roomba, abrindo caminho para uma categoria totalmente nova na limpeza doméstica. Mas um pouco de reflexão sobre esses espetaculares feitos revela os perigos de se levar pra casa um desses “inofensivos” auxiliares,
Voltando ao caso das fotos vazadas, a empresa se defende afirmando que os equipamentos bisbilhoteiros foram intencionalmente distribuídos para funcionários da casa e pessoas contratadas e que todos assinaram um termo concordando com a coleta das imagens e o envio das mesmas para o treinamento de sistemas de Inteligência Artificial (IA) da companhia. A iRobot destaca ainda que era responsabilidade dessas pessoas manter os robôs fora de lugares em locais e momentos considerados impróprios.
O fato é que esses equipamentos, criados para aspirar a sujeira enquanto você se dedica ao que mais gosta de fazer, enviam imagens para seus criadores. Eticamente, essas imagens deveriam ser imediatamente descartadas. Pelo menos, é o que a iRobot declara fazer, mas a ética pode ser violada, seja por alguma falha eletrônica, sem qualquer participação humana, seja por um deslize, intencional ou não, dos guardiões da privacidade alheia ou de hackers, por que não?
Esse é um perigo que todos nós, cada vez mais dependentes do modo tecnológico de viver, não tínhamos de enfrentar quando o dia a dia dependia unicamente do nosso esforço e dedicação, sem o emprego dessas tecnologias que nos encantam e nos “libertam”.
A invasão da privacidade não é crime praticado somente por esses graciosos robôzinhos que desviam de obstáculos e evitam perigos (pelo menos alguns). A Alexa, por exemplo, também tem esse lado espião. Em outro artigo da Technology Review, seus autores alertam para o fato de recebermos essas gracinhas em nossas casas e até as considerarmos como fazendo “parte da família”.
O texto começa assim: “Em 28 de setembro [de 2021], a Amazon apresentou o Astro, um “robô doméstico”. O vídeo de lançamento da Amazon promete que o robô de US$ 999, que é atarracado com duas rodas e uma tela retangular que apresenta duas esferas para os olhos, será capaz de fazer coisas como vigiar a sua casa enquanto você está fora ou participar de festas de dança improvisadas. Conhecendo a Amazon, há boas razões para sermos cautelosos, uma vez que o Astro é basicamente uma câmera gigante sobre rodas que observará tudo o que fazemos. Então, por que alguém ficaria feliz em ter um em casa? A razão está na maneira como nossos cérebros funcionam. Anos de pesquisa robótica e iterações [repetições] anteriores de assistentes robóticos e animais de estimação (ou “robopets”) mostraram que as pessoas não conseguem evitar se apaixonar por eles”.
Na verdade, é algo que vem com a internet das coisas. E essa é apenas a ponta do iceberg. Especialistas em tecnologia, neurocientistas e psicólogos, contratados por empresas interessadas em alavancar suas vendas e seu faturamento, estão pesquisando formas de invadir nossos sonhos e incutir neles a vontade de consumir produtos lançados por elas no mercado. Essa tentativa sinistra foi denunciada recentemente por cientistas em nome da ética (sobre o assunto, leiam este texto).
Ao que tudo indica, estamos caminhando para uma sociedade controlada pelo Grande Irmão, que tudo vê e tudo sabe a nosso respeito. Mais grave que isso: sem saber, estamos deixando que nos controlem. Com o tempo, situações como as que ocorreram com o laborioso robô aspirador, serão cerceadas por leis criadas para preservar o mínimo de privacidade dentro das quatro paredes de nossos lares. Mas as leis estão sempre a reboque do que acontece em nossas vidas e surgirão, muito provavelmente, quando novos meios de espiar o que fazemos estiverem em prática.
Escritor e jornalista formado pela Universidade de São Paulo, com passagem pelo Diário Comércio e Indústria, pela Revista dos Tribunais, pela Editora Abril e diversos outros órgãos de imprensa, com especialização em extensão rural e jornalismo científico.