Mostra reúne telas de artistas plásticas brasileiras que a história da arte deixou em segundo plano

Mostra reúne telas de artistas plásticas brasileiras que a história da arte deixou em segundo plano
“Arranha-céus”, de Salma Mogames | “Composição”, de Dorothy Bastos | Sem título, de Bellá Paes Leme. Crédito Everton Ballardin/Divulgação

São várias as artistas brasileiras não pontuadas pela história da arte. Com curadoria de Ana Paula Cavalcanti Simioni, Mulheres artistas: nos salões e em toda parte, na galeria Arte132 propõe uma reavaliação de algumas delas. A exposição, em cartaz entre os dias 04 de junho e 30 de julho, reúne obras de pintoras, parte delas egressas da academia, e em sua maioria com participações constantes nos salões da primeira metade do século 20. Mas chama atenção para o fato de que muitas ficaram no anonimato e raríssimas chegaram ao status alcançado por artistas homens. A mostra reúne um conjunto de trabalhos dessas artistas, produzidos na primeira metade do século 20, e de Dorothy Bastos e Miriam Chiaverini, produzidos na segunda metade. Em paralelo, Ana Paula publica o livro Mulheres Modernistas, pela Editora da USP. 

A mostra apresenta 30 obras, dentre elas as de Aurélia Rubião, Bellá Paes Leme, Dorothy Bastos, Georgina de Albuquerque, Haydéa Lopes Santiago, Helena Pereira da Silva Ohashi, Laurinda Pacheco de Carvalho Ribeiro, Lucília Fraga, Miriam Chiaverini, Lucci Citty Ferreira, Regina Liberalli Laemmert, Salma Mogames, Sinhá d’Amora, Yvone Visconti Cavalleiro e também de Anita Malfatti, que enfrentou questões de gênero e polêmicas envolvendo o escritor Monteiro Lobato. 

“Além das questões de história da arte, comuns a todos os artistas, existem aquelas particulares às mulheres, muitas vezes denominadas por ‘questões de gênero’. Tradicionalmente, as produções feitas pelas criadoras foram vistas como menos profissionais do que as dos homens, como passatempos de amadoras e diletantes e, portanto, pouco merecedoras de atenção. Essa exclusão tem uma longa história, de matrizes econômicas, religiosas, culturais e políticas profundas, quase imemoriais, que compõem o que chamamos de patriarcado. No campo da história da arte, isso teve desdobramentos específicos”, explica a curadora. 

Após a Revolução Francesa, com a centralidade do estudo do modelo vivo, as mulheres artistas foram impedidas de cursar a Academia na França. Na época, existiam aulas de pintura de nu com modelos homens, o que era inapropriado para as damas. Somente muito mais tarde começaram a ser usadas modelos femininas, mas apenas em 1897 as matrículas foram liberadas para as mulheres. No Brasil, até 1892, as senhoritas e senhoras não podiam entrar na academia para estudar artes. Todo esse contexto refletiu na participação e na documentação de mulheres na história da arte. 

Ana Paula Simioni é uma grande pesquisadora do tema. Ela mergulhou no universo de artistas modernistas e também das que as precederam para entender porque há uma lacuna de documentação, sobretudo no que diz respeito às acadêmicas. Descobriu um universo de mais de 212 mulheres que participaram dos salões de arte no início do século passado e percebeu que a maioria das que tiveram algum tipo de reconhecimento tinha apoio de homens, e eram conhecidas como filhas, esposas, musas, ou seja, ligadas a figuras masculinas. 

“Georgina de Albuquerque e Haydéa Lopes Santiago foram pintoras casadas com outros pintores, com os quais desenvolveram parcerias de trabalho e de vida. Já Helena Pereira da Silva Ohashi possuiu um duplo desafio, pois, de um lado, era filha do afamado pintor Oscar Pereira da Silva e, de outro, casou-se com um pintor japonês bastante reconhecido em seu país. Situação semelhante à de Yvonne Visconti, filha do célebre pintor Eliseu Visconti e casada com o artista Henrique Cavalleiro. Há, ainda, dois casos bastante significativos, que são os de Lucy Citti Ferreira, sempre associada à condição de musa e aluna de Lasar Segall, e o de Dorothy Bastos, retida pela crítica como aluna de Lívio Abramo. Esses lugares discursivos – a esposa, a filha, a aluna – terminam por fixá-las em condições de seguidoras, vítimas da ‘influência’ de seus ‘mestres’, isto é, seus maridos, pais, professores – não por acaso, sempre figuras masculinas”, analisa Ana Paula. 

Uma pesquisa detetivesca, segundo Simioni, precisou ser realizada. Havia pouco conteúdo escrito sobre elas, faltavam informações biográficas básicas. Com dados mínimos em mãos, foi a fundo e criou verbetes sobre as artistas, com intuito de estimular estudos futuros. A exposição em cartaz na galeria Arte132 é, também,  um resultado dessa investigação. 

A curadora, no entanto, convida o público para uma observação das obras sem conceitos prévios. “Não se trata aqui de defender que elas foram artistas geniais e incompreendidas. Antes, trata-se de desafiar a categoria de gênio como um parâmetro de interpretação. Por que todos os artistas têm de ser geniais? E o que significa a genialidade, afinal? Também não se trata de sustentar que essas artistas foram modernas, modernistas, ousadas ou radicais, mas sim de se perguntar: por que todos os artistas têm de, necessariamente, seguir partidos estéticos modernistas e acreditar que o dever da boa arte é o da ruptura?”, conclui. 

Em Mulheres artistas: nos salões e em toda partevale destacar a gravurista Dorothy Bastos, que tem 7 obras exibidas na galeria, produzidas nos anos 1950. Dorothy foi por duas vezes ganhadora do Prêmio Leirner de Arte Contemporânea, em 1959 e 1962, mas acabou, posteriormente, sendo pouco lembrada pela historiografia e associada pela crítica à condição de aluna de Lívio Abramo. 

Sobre Ana Paula Simioni

Ana Paula Cavalcanti Simioni é professora do Instituto de Estudos Brasileiros da USP e membro do Instituto de Estudos Avançados de Nantes. Pesquisa mulheres artistas, especialmente no Brasil, desde 2000. É autora de: “Mulheres modernistas: estratégias de consagração na arte brasileira”, São Paulo: EDUSP, 2022 e “Profissão Artista: pintoras e escultoras acadêmicas brasileiras (1884-1922)”, São Paulo: EDUSP, 2008 (reedição 2019). Foi curadora das exposições “Mulheres artistas: as pioneiras, 1880-1930”, com Elaine Dias, na Pinacoteca Artística do Estado de São Paulo, em 2015; e “Transbordar: transgressões do bordado na arte”, no SESC Pinheiros, 2020-2021.

Sobre a Arte132

A Arte132 expõe, dá suporte e mantém em acervo artistas brasileiros reconhecidos, principalmente sua produção autoral menos conhecida, artistas que desenvolveram um entendimento do mundo e do homem em algum momento. Suas mostras sempre têm o compromisso de apresentar arte relevante de qualidade ao maior número de pessoas possível, colecionadores ou não. A casa (concebida pelo arquiteto Fernando Malheiros de Miranda, em 1972), para além de uma galeria de arte, é um lugar de encontro e descobertas.

Serviço

Mulheres artistas: nos salões e em toda parte
Curadoria: Ana Paula Simioni
Local: Arte132
Endereço: Av. Juriti, 132, Moema, São Paulo
Abertura: 04 de junho, das 11h às 17h
Período expositivo: 04 de junho até 30 de julho

Horários de visitação: de segunda a sexta, das 14h às 19h. Sábados, das 11h às 17h
Entrada gratuita

Imagem em destaque: “Arranha-céus”, de Salma Mogames | “Composição”, de Dorothy Bastos | Sem título, de Bellá Paes Leme. Crédito Everton Ballardin/Divulgação

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