Mais da metade da população brasileira acima de 16 anos está engajada no voluntariado
Terminam amanhã, 28 de agosto, as inscrições para o Prêmio Nacional de Incentivo ao Voluntariado – edição 2022. Instituído em julho de 2019, por meio do Decreto nº 9.906, o Programa Nacional de Incentivo ao Voluntariado é coordenado pela Casa Civil da Presidência da República. O objetivo é fomentar no governo, nas organizações da sociedade civil e no setor privado a prática do voluntariado como um ato de humanidade, cidadania e amor ao próximo, incentivando, assim, o engajamento social. Totalmente gratuita, a iniciativa tem o objetivo de reconhecer e premiar a atuação de cidadãos e entidades responsáveis pelo engajamento do trabalho voluntário em ações de ajuda humanitária, transformação social de regiões e grupos vulneráveis nos últimos doze meses.
De acordo com a Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, conduzida pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS) e pelo Instituto Datafolha, existem hoje cerca de 57 milhões de voluntários ativos no país, o que equivale a 56% dos brasileiros com mais de 16 anos.
Os voluntários são essenciais para que organizações da sociedade civil atinjam seus objetivos e, durante a pandemia, impactaram positivamente a vida de milhares de pessoas. Em sua terceira edição, o levantamento do IDIS, realizado a cada década, mostrou que 34% dos entrevistados eram voluntários, um salto em relação à porcentagem de 25% em 2011. Além da quantidade de pessoas envolvidas com o voluntariado, as horas dedicadas à atividade também tiveram um crescimento expressivo: a quantidade média foi de 18 horas mensais em 2021, em oposição a cinco horas mensais em 2011.
Na percepção dos voluntários entrevistados, sete em cada dez brasileiros não fazem o suficiente para ajudar outros indivíduos. Quando avaliam a própria atuação, quase metade (49%) acredita que faz o que deve para ajudar, mas 39% dos voluntários avaliam que poderiam fazer mais pela sociedade. Com a pandemia da Covid-19, 47% dos voluntários passaram a fazer mais ações voluntárias, principalmente com foco na distribuição de alimentos (61%), roupas, medicamentos, cestas básicas, livros e brinquedos. O estudo constatou que 81% dos entrevistados concordam que a crise sanitária aumentou o interesse das pessoas pelo voluntariado.
Aberta para participação desde o dia 9 de julho, a premiação está dividida em quatro categorias
- voluntariado nas Organizações da Sociedade Civil;
- voluntariado no Setor Público;
- voluntariado empresarial; e
- indivíduos voluntários (pessoa física).
Simbolicamente, a iniciativa irá premiar até 20 trabalhos, sendo um por categoria em cada região do país.
Categorias e critérios de avaliação
Para a edição de 2022, poderão concorrer organizações públicas e privadas e indivíduos que desenvolvam diretamente atividades de voluntariado, incluídas as entidades privadas sem fins lucrativos e as organizações religiosas que se dediquem às atividades ou a projetos de interesse público e de cunho social. Também poderão concorrer ao prêmio órgãos ou entidades públicas.
Entre os critérios de avaliação estão: incentivo ao voluntariado; impacto transformador no público beneficiado pela iniciativa de voluntariado e quantitativo de público beneficiado diretamente com a iniciativa durante os últimos doze meses; contribuição da iniciativa ao público beneficiado conforme os eixos temáticos do Programa Nacional de Incentivo ao Voluntariado; sustentabilidade da iniciativa; e inovação social.
Ao fazer a inscrição, o cidadão deverá estar logado no portal do Programa Nacional de Incentivo ao Voluntariado. Dúvidas ou pedidos de esclarecimento podem ser enviados para o endereço eletrônico cgae@presidencia.gov.br.
Acesse o regulamento do Prêmio
Como incentivar jovens e crianças?
Segundo dados do site Voluntários, 54% (média de 14 milhões) dos jovens brasileiros querem ser voluntários, mas não sabem como iniciar. Apenas 7% dos jovens são voluntários atualmente. Para se ter uma ideia, esse número é muito inferior às estatísticas dos Estados Unidos, que somam 62% dessa população que já iniciaram seus trabalhos voluntários.
Geralmente, o trabalho voluntário começa sempre por algum motivo específico. Mas, quando isso não acontece, é possível identificar um segmento em que a criança ou o jovem mais se identifica, desde áreas que envolvem a saúde ou a educação até trabalhos relacionados aos animais e ao meio ambiente, dando esse primeiro passo dentro de casa, no prédio, bairro, escola ou na cidade em que vivem.
Além do aprendizado, o trabalho voluntário também é uma oportunidade de ajudar e conhecer pessoas diferentes, fomenta a prática da empatia e como resultado, o crescimento pessoal e profissional. Como exemplo, para garantir uma vaga em universidades no exterior pode ir muito além de notas altas. Atualmente, essas instituições acabam valorizando mais as atividades realizadas fora das salas de aula, especialmente, atividades que beneficiam diretamente alguém ou alguma entidade, como a renomada escola MIT (Massachusetts Institute of Technology).
Já no Brasil, existe um projeto de lei (nº 3875, de 2020) que prevê a inclusão de trabalhos voluntários como critério para entrar na faculdade. Serão levados em conta a prestação de serviços que incluam ações para crianças, adolescentes, pessoas com deficiência, pessoas em situação de risco, idosos, além de trabalhos de ajuda aos animais e ao meio ambiente de forma geral. O projeto ainda está em tramitação no Senado.
Outro ponto importante de quem inicia o trabalho voluntário desde cedo está na busca do primeiro emprego. Os recrutadores avaliam que quem faz esse tipo de trabalho está em busca de novos desafios e conhecimentos e desenvolvem características necessárias para as organizações, como a estabilidade emocional e a flexibilidade.
A seguir, alguns exemplos que vale a pena seguir.
Motivando pacientes com câncer
Cristiano Zanetta, mais conhecido como Batman do Brasil, é um grande exemplo de que jovens e crianças podem ser voluntários. Ele sempre soube que precisava realizar trabalhos sociais que rodassem o país. Mas sempre esteve em busca de fazer algo diferente das ações mais tradicionais. Após acompanhar de perto três agressivos cânceres de seu pai, seguido de uma depressão, Zanetta sabia que precisava ser fonte de esperança para mais pessoas, assim como foi para o pai.
Então, há 15 anos, ele iniciou sua missão em alas oncológicas de hospitais pelo Brasil, incentivando crianças, jovens e adultos a continuarem o tratamento contra o câncer, principalmente, com pacientes que estão no estágio da depressão e, praticamente, desistindo. “No livro Sobre a Morte e o Morrer, da psiquiatra Elisabeth Kubler-Ross, ela avalia os cinco estágios que o paciente com câncer enfrenta: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. O meu trabalho é motivar aquele paciente que esteja no estágio da depressão a persistir com o tratamento e seguir para o próximo estágio, a aceitação”, avalia Cristiano.
A missão desse médico começou cedo
Nas redes sociais, Thomas Gregory se define como um médico missionário. Ao longo de quase 50 anos, construiu uma sólida trajetória no terceiro setor e trocou a vida urbana de São Paulo pelo sonho de atuar no sertão nordestino em 1999. Fundador do Centro de Assistência e Desenvolvimento Integrado (CADI) em Aratuba, no Ceará, Thomas preside a unidade e tem uma rotina bastante agitada. Às segundas, quartas e sextas, ele é plantonista; nas terças e quintas, atua em clínicas do sertão do município e ainda precisa encaixar na agenda as atividades da ONG. “Todas essas funções que exerço representam nossa vocação, que é servir ao próximo com alegria. O voluntariado é cumprir nossa missão na Terra e servir ao nosso próximo”, ressalta.
Inspirado pelos pais e pela escola, envolveu-se com projetos sociais durante o Ensino Médio, quando tinha 16 anos. Durante a adolescência, Thomas teve acesso a uma educação que oferecia uma visão de desenvolvimento integral e diversas oportunidades de trabalho na área social. Guiado pelo pai de origem inglesa, o jovem também participava de um grupo de escoteiros, auxiliando em suas atividades voluntárias em São Paulo, capital do estado de S Paulo. Nascido em uma família de classe média, o voluntariado tornou-se uma parte permanente e indispensável em sua vida.
Participou de incontáveis projetos e, aos finais de semana, visitava asilos e ia a uma creche na comunidade de Buraco Quente, na zona sul de São Paulo, onde desenvolveu um projeto de saneamento durante a graduação em medicina. Nessa época, começou a frequentar a igreja batista e ajudou no desenvolvimento comunitário de jovens e adolescentes. Posteriormente, o médico conheceu o sertão do Piauí e, ao lado da esposa, percebeu seu propósito de atuar profissionalmente no Nordeste, no futuro.
Ela era assistente social e, ao longo dos anos, ambos iniciaram projetos educacionais e culturais com adolescentes, especialmente com oficinas de incentivo à leitura, reforço escolar, aulas de culinária e artesanato. “Começamos um projeto com adolescentes, fazíamos café da manhã, almoço, assinamos jornais e revistas. Minha esposa ensinou o gosto pela leitura. Ela tinha muitos livros”, relata.
Em 1995, o casal começou a frequentar congressos missionários e, mais tarde, conheceram Mauricio Cunha e o trabalho do CADI Brasil. Impulsionado pelo desejo de ajudar crianças e adolescentes em situação de risco, Thomas fundou a primeira unidade da ONG no Ceará, em Baturité, em 2009. Quatro anos depois, surgiu a unidade de Aratuba, onde ele permanece até hoje.
Alfabetizando
Uma das conquistas das quais Kilma Tenório mais se orgulha ocorreu em uma das fases mais inesperadas de sua vida. Após 24 anos de trabalho como bancária na Caixa Econômica Federal, ela decidiu se aposentar. Estava impossibilitada de conciliar a ocupação com as lesões por esforços repetitivos (LER), mas ainda sentia muita disposição e queria trabalhar. Poucos anos antes da aposentadoria, envolveu-se pela primeira vez com projetos sociais e, desde 2019, é gestora voluntária – em Porto Velho, capital de Rondônia – do CADI, uma coalizão de organizações sociais cristãs que atua prioritariamente na proteção à infância, à adolescência e à família por meio do desenvolvimento comunitário em regiões de vulnerabilidade social.
Sua comoção com as histórias das crianças de nove e dez anos que não sabiam ler e estudavam na Escola Municipal Ely Bezerra de Salles, localizada na zona leste de Porto Velho, culminou no programa de alfabetização Sala de Leitura. A iniciativa, que deu asas ao imaginário dos alunos e ampliou seus horizontes, atende atualmente 45 crianças.
Novos caminhos
“Como desenvolvi LER e me aposentei, o envolvimento com projetos sociais veio à tona e vi que poderia trabalhar com isso. Procurei meu pastor para saber o que tinha para fazer na igreja de segunda a sexta. Ele me falou que tinha um sonho de fazer um projeto social, um departamento da igreja que cuidasse dessa área. A igreja tinha recebido um terreno em um bairro carente de Porto Velho, mas precisava de voluntários e alguém que encabeçasse isso. Eu me encontrei e me apaixonei pelo voluntariado”, conta Kilma.
O relato da gestora reforça a constatação da pesquisa de que o voluntariado está relacionado ao conhecimento de outras realidades, à cidadania, à transformação e ao desenvolvimento pessoal. É também uma oportunidade para descobrir novos caminhos profissionais.
Foco nos deficientes químicos
“No trabalho voluntário, sinto que sou mais ajudada por eles do que os ajudo, é uma sensação de preenchimento”. A analista de Recursos Humanos Viviane Scalioni encontra propósito e prazer nas ações sociais das quais participa há mais de dois anos.
Todo dia 15 de cada mês, ela é a responsável por arrecadar doações em dinheiro na companhia em que trabalha para a compra de cestas básicas para pessoas que estão em situação de vulnerabilidade social. Com isso, até 10 famílias são ajudadas mensalmente.
Mas a vontade de Viviane de ajudar o próximo não para por aí. A analista de RH faz parte do núcleo RAIS (Respeito, Amor e Inclusão Social). Liderando um time de voluntários, ela visita mensalmente uma comunidade que acolhe 35 dependentes químicos em tratamento na região de Embu das Artes e Cotia, em São Paulo.
“A cada mês levamos um tema diferente, um conteúdo criado por quem veste a camisa do projeto. O foco é a recolocação profissional dessas pessoas. Então levantamos temas sobre inteligência emocional, entrevista, preparação de currículo e até treinamento para vendas. Entre aqueles que tiveram alta, soubemos de casos de quem conseguiu emprego com as dicas que pudemos compartilhar. E tudo isso ajuda também na minha profissão. Sou analista de RH com foco em desenvolvimento de pessoas, que é exatamente o que eu faço no projeto”, explica Viviane.
O crescimento pessoal e a mudança na visão de mundo também são pontos fortalecidos pelo voluntariado. “Você passa a valorizar tudo o que tem. Eu me sinto rica de tudo, especialmente de saúde e de oportunidades de realizar meus sonhos, coisas importantes e que muitas dessas pessoas não têm”.
Imagem em destaque: Cristiano Zanetta, o Batman brasileiro, em visita a uma criança com câncer. Foto: divulgação