Insetos “engenheiros” criam abrigos em plantas hospedeiras e protegem a vida silvestre
Em uma época marcada por mudanças climáticas e declínio acentuado na riqueza de espécies de insetos em todo o mundo, estruturas sutis, construídas em troncos e folhas, tornam-se abrigos seguros para as próprias espécies construtoras e para outras, chamadas de colonizadoras secundárias e inquilinas. O fenômeno foi foco de estudo liderado pelo pesquisador Cássio Cardoso Pereira, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, e publicado na revista Ecology. O grupo reuniu mais de mil registros sobre ecologia de ecossistemas, produzidos em 52 países, abrangendo desde zonas polares a tropicais.
Doutorando do Programa de Pós-graduação em Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre, sob orientação da professora Tatiana Cornelissen, do ICB, Cássio conta que muitos artrópodes – besouros, lagartas, moscas, aranhas e vespas – constroem estruturas dos mais variados tipos em plantas, usando os troncos, as folhas ou partes das folhas para confeccionar cilindros e tendas. Essas estruturas funcionam como abrigos para que eles se protejam, se reproduzam e se desenvolvam.
Com base na análise do conjunto de 1.009 registros publicados sobre ecologia dos ecossistemas, no período de 1932 a 2021, o grupo de pesquisadores conclui que, ao construírem seus abrigos em folhas e caules, os “engenheiros de ecossistemas” interagem com as plantas hospedeiras e, indiretamente, fornecem recursos para outras espécies de animais.
“Esses abrigos têm grande impacto nas comunidades de organismos terrestres, pois influenciam indiretamente no número e nas espécies que vão colonizar determinada planta, nas interações entre essas espécies e também nos processos e serviços ecossistêmicos, como polinização, decomposição e ciclagem de nutrientes”, explica o pesquisador. A equipe é formada ainda pelo professor do ICB Geraldo Wilson Fernandes, pelos residentes de pós-doutorado Samuel Novais e Milton Barbosa e pelos docentes Camila Vieira, da USP Pirassununga, e Gustavo Romero, da Unicamp, um dos idealizadores da investigação.
Abrigos microclimáticos
Os registros reunidos pela pesquisa abrangem tanto estruturas naturais (90,6%) quanto aquelas criadas artificialmente por pesquisadores (9%). Segundo Cássio Pereira, para as espécies sensíveis à aridez, a altas temperaturas e à variabilidade climática, essas estruturas representam importantes refúgios microclimáticos, especialmente frente às mudanças ocasionadas pelo aquecimento global (análise específica sobre a influência climática resultou em outro artigo, publicado na Global Change Biology, liderado por Gustavo Romero, da equipe).
De acordo com o levantamento, foram registradas construções em 326 espécies de plantas, em todo o mundo. As florestas foram os biomas mais examinados, independentemente da região – o Brasil foi o país com mais registros nos trópicos, e os EUA, na zona temperada.
Sete tipos principais de construções foram encontrados, a maioria delas (70,5%) em árvores, seguidas de ervas (13,3%) e arbustos (11,2%). As espécies de Quercus (carvalhos e outras árvores) reuniram a maioria dos tipos de construções.
Os dois tipos de abrigos mais frequentemente registrados foram rolos e galhas dos mais diversos formatos, produzidos por meio de indução do aumento do número de células ou do volume celular no tecido vegetal.
Dez ordens de artrópodes foram consideradas na pesquisa – a Lepidoptera (borboletas e mariposas) e a Hymenoptera (abelhas, vespas e formigas) representaram, juntas, mais de 75% do total e foram responsáveis pela construção da maioria dos rolos de folhas (22,2%) e galhas de folhas (23,2%). Outras construções criadas por artrópodes em plantas são laços e tendas de folhas e cavidades de caule.
Em um terço dos casos, essas construções foram utilizadas pelos “insetos engenheiros” para o desenvolvimento dos estágios larvais e descendentes (33%), mas também serviram como abrigos (19,8%) e como local adequado para emboscar e capturar presas (15%).
Inquilinos
Cássio Pereira acrescenta que, quase 70% dos mais de mil registros analisados, avaliaram o papel dos abrigos como lar para outros artrópodes na forma de ocupantes primários e secundários. A ordem Hymenoptera (abelhas, vespas, formigas), especialmente formigas (Formicidae), é a principal inquilina nesses construtos (36,5%), seguida por coleópteros (besouros e joaninhas), como inquilinos isolados (7,8%) ou em conjunto com outros grupos de artrópodes (13,5%).
“Na maioria dos casos, essas construções foram colonizadas por várias ordens de artrópodes e com diversas finalidades, como locais de alimentação, abrigo e acasalamento, o que revela o valor adaptativo dos abrigos contra condições extremas”, afirma Cássio Cardoso Pereira.
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