Sesc Pompeia inicia comemoração de seus 40 anos com a exposição “A Parábola do Progresso”
De 27 de outubro de 2022 até 2 de abril de 2023, o Sesc Pompeia recebe a exposição A Parábola do Progresso, em sua Área de Convivência. Com coordenação curatorial de Lisette Lagnado e os curadores associados André Pitol e Yudi Rafael, a mostra marca o 40o aniversário da unidade, inaugurada em 1982. Desde então, por meio de suas ações voltadas para a cultura, o lazer, o bem-estar social e a saúde, o Sesc Pompeia tornou-se palco de numerosas manifestações de caráter lúdico e coletivo, qualidades e valores tão importantes neste momento de distopia global.
A efeméride coincide ainda com o bicentenário da Independência do Brasil (1822) e o centenário da Semana de Arte Moderna de São Paulo (1922), duas datas históricas que atravessam a concepção do projeto, inserido na programação “Diversos 22”, iniciativa do Sesc São Paulo.
Com o objetivo de discutir o legado de Lina Bo Bardi para o Sesc Pompeia, um ícone arquitetônico da cidade, a curadoria traz outras referências para somar camadas vivenciais e sociais ao projeto. Sendo assim, cinco territórios dialógicos participam da exposição, cada um com uma singularidade própria: o Acervo da Laje (subúrbio ferroviário de Salvador – BA), a Aldeia Kalipety (São Paulo – SP), a Casa do Povo (São Paulo – SP), o Quilombo Santa Rosa dos Pretos (Itapecuru Mirim – MA) e o Savvy Contemporary – the Laboratory of form-ideas (Berlim – Alemanha). Em comum, são diferentes forças sociais que têm conseguido se organizar e gerar espaços de hospitalidade aptos a amparar sua comunidade.
“Inicialmente, quando se pensou em fazer uma exposição que conjugaria tantas datas importantes, chegou-se rapidamente à conclusão de que a grande singularidade do Sesc Pompeia é ser esse espaço de convivência. Fazer outra homenagem a Lina não teria tanto interesse do ponto de vista formal, nos pareceu mais importante pensar a partir da ética e do modus operandi da Lina”, comenta a coordenadora curatorial Lisette Lagnado. O grande número de trabalhos que compõe A Parábola do Progresso – como esculturas, fotografias, desenhos, vídeos e azulejos – foi definido em um processo de curadoria compartilhada com os territórios dialógicos, em um trabalho de trocas regulares.
Para Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc São Paulo, a exposição acompanha a trajetória do Sesc Pompeia. “Amarrado ao nosso ímpeto de pensar no impacto do modernismo de forma crítica e sob a ótica de uma construção sócio-histórica, um dos disparadores de nosso projeto transversal ‘Diversos 22’, esta mostra olha para personagens, coletivos, artistas e documentos que nem sempre são discutidos na historiografia da arte brasileira”, afirma Miranda. “Ao mesmo tempo, é curiosa a possibilidade de trazer ao espaço do Sesc Pompeia, em sua essência como lugar do encontro e da troca, discussões contemporâneas sobre o que é convivência – seja na relação com as obras de arte ou na vivência de nosso público –, seu impacto no cenário cultural de São Paulo e as transformações que ainda estão por vir”, completa.
Diálogos na Cidadela da Liberdade
Articuladores da produção cultural dentro de uma perspectiva de cuidados, sensibilização e convivialidade, esses cinco centros de encontro, somados ao Espaço de Convivência do Sesc Pompeia, potencializam sua vocação de “cidadela da liberdade”, conforme desejo do Sesc São Paulo quando convidou Lina Bo Bardi e sua equipe para “construir uma outra realidade” no trabalho de ressignificação da fábrica industrial de tambores.
Trata-se de espaços que operam como condutores de esperança dentro da parábola do Positivismo, chamada para ilustrar a mítica relação deste “país do futuro”, desde sua colonização e o tráfico afro-atlântico, passando por diversos fluxos migratórios que construíram a idílica imagem de uma nação hospitaleira, terra abençoada por uma natureza exuberante, a generosidade e expansividade emocional de um povo que teria encontrado sua felicidade na mestiçagem de suas raízes. Conhecido pela valorização da cultura popular, o trabalho de Lina Bo Bardi adquire também novas inflexões hoje na esteira dos estudos decoloniais, atentos ao reconhecimento de diferentes graus de extrativismos e silenciamentos.
Ideias de “nação” e “identidade” atravessaram o modernismo brasileiro em todos os matizes encontrados, do Manifesto Pau-Brasil à Antropofagia Cultural, erguendo narrativas tributárias do modelo nacional-ocidental. Nesse sentido, os “territórios dialógicos” oferecem campos de ações complementares que permitem vislumbrar iniciativas de constituição de corpos sociais, tanto por meio de sua resistência contra políticas de apagamento como pela sua ancestralidade.
Tendo em mente tais balizas históricas, a equipe curatorial levantou alguns conteúdos em litígio no modernismo brasileiro, como questões de raça, gênero e classe, ao revisitar obras de Tarsila do Amaral, Emiliano di Cavalcanti, Cândido Portinari, Vicente do Rego Monteiro, Lasar Segall, Anita Malfatti, em confronto com a produção de artistas como Alice Yura, Amador Jr. e Segurança Patrimonial Ltda., Barbara Marcel, Emilia Estrada, Márcia Falcão, Pélagie Gbaguidi, Edival Ramosa e Tiago Gualberto.
Também se destaca na exposição a participação do artista maya kaqchikel, Edgar Calel (Comalapa, Guatemala), cuja obra é resultado de um período de dois meses na residência artística da Fundação Armando Alvares Penteado, em parceria firmada com o Sesc São Paulo. A vinda do artista para realizar um trabalho comissionado constitui uma oportunidade de discussão de temas como migração, língua, natureza e identidade, presentes tanto em sua poética quanto no arco curatorial da mostra.
Além das obras que compõem a exposição, há ainda o Núcleo documental, que reúne arquivos sobre diáspora, migrações, território e relações com o estado, possibilitando um olhar sobre o projeto de embranquecimento e de apagamentos empreendidos no país. A seleção de documentos evidencia os esforços políticos nos últimos séculos para construir uma ideia de nação restrita, com projetos pedagógicos guiados por uma diretriz eurocêntrica.
Durante todo período que estiver em cartaz, A Parábola do Progresso irá contar com diversas ativações pensadas junto aos territórios dialógicos, como oficinas, rodas de conversa, apresentações, performances, rituais e visitação guiada.
Sobre o Acervo da Laje (BA): Espaço de memória artística, cultural e de pesquisa sobre o Subúrbio Ferroviário de Salvador, localizado especificamente no bairro do São João do Cabrito. É formado por duas casas que contêm bibliotecas, hemeroteca, coleções de discos, manuscritos, croquis, conchas, tijolos, azulejos e porcelanas antigas, artefatos históricos, quadros, esculturas em madeira e alumínio, fotografias e objetos que contam a história do Subúrbio Ferroviário de Salvador.
Sobre a Aldeia Kalipety (SP): Localizada a três quilômetros ao sul do bairro da Barragem e atualmente habitada por cerca de 70 pessoas, a Aldeia Kalipety faz parte de uma área que foi reocupada pelos Guarani da TI Tenondé Porã em 2013. É atualmente referência em práticas agroecológicas a partir da combinação de saberes tradicionais guarani com técnicas alternativas do mundo não indígena. Tem desenvolvido visitações relacionadas à cooperação e formação dos visitantes em mutirões de agroecologia, palestras para educadores, realizadas preferencialmente no mês de abril, e vivências comunitárias para imersão na cultura guarani.
Sobre a Casa do Povo (SP): Centro cultural que revisita e reinventa as noções de cultura, comunidade e memória. Habitada por uma dezena de grupos, movimentos e coletivos, alguns há décadas e outros mais recentes, a Casa do Povo atua no campo expandido da cultura. Sua programação transdisciplinar, processual e engajada entende a arte como ferramenta crítica dentro de um processo de transformação social.
Sobre o Quilombo Santa Rosa dos Pretos (MA): A comunidade quilombola Santa Rosa dos Pretos (também conhecida como Santa Rosa do Barão) está localizada no município maranhense de Itapecuru-Mirim. Por suas características mais notáveis, como a coesão, a pluralidade e a qualidade de suas manifestações culturais, a comunidade de Santa Rosa dos Pretos é uma espécie de referência ao se tratar de comunidades remanescentes de quilombos em termos regionais e nacionais.
Sobre o SAVVY Contemporary: The Laboratory of form-ideas (Berlim – Alemanha): Como espaço de arte, plataforma discursiva, local para comer e beber, casa njangi, espaço de convívio, o SAVVY Contemporary situa-se no limiar das noções e construções do Ocidente e do não-ocidente, principalmente para compreender e negociar entre eles e, obviamente, para desconstruir ideologias e conotações dessas construções.
“Diversos 22 – Projetos, Memórias, Conexões” é uma ação em rede do Sesc São Paulo, em celebração ao Centenário da Semana de Arte Moderna de 1922 e ao Bicentenário da Independência do Brasil em 1822, com atividades artísticas e socioeducativas, programações virtuais e presenciais em unidades na capital, interior e litoral do estado de São Paulo, com o objetivo de marcar um arco temporal que evoca celebrações e reflexões de naturezas diferentes, mas integradas e em diálogo, acerca dos projetos, memórias e conexões relativos à efeméride, no sentido de discuti-los, aprofundá-los e ressignificá-los, em face dos desafios apresentados no tempo presente. A programação teve início em setembro de 2021, com a realização do Seminário “Diversos 22: Levantes Modernistas”, e encerra-se em dezembro de 2022.
Ficha Técnica:
Concepção e coordenação curatorial
Lisette Lagnado
Curadores associados
André Pitol
Yudi Rafael
Programa Público
Plataforma Explode! (Cláudio Bueno, João Simões) com Vânia Medeiros
Territórios dialógicos
Acervo da Laje (Salvador – BA)
Aldeia Kalipety (São Paulo – SP)
Casa do Povo (São Paulo – SP)
Quilombo Santa Rosa dos Pretos (Itapecuru-Mirim – MA)
SAVVY Contemporary: The Laboratory of form-ideas (Berlim – Alemanha)
Imagem em destaque: Expo A Parábola do Progresso no Sesc Pompeia – Foto de Léu Britto