Especialistas do mundo contestam artigo científico que defende o reflorestamento em massa contra o aquecimento global

Especialistas do mundo contestam artigo científico que defende o reflorestamento em massa contra o aquecimento global

Um grupo de 46 cientistas enviou para a conceituada revista Science um comentário contestando duramente um artigo técnico-científico publicado na edição de julho do periódico, segundo o qual o reflorestamento puro e simples seria uma forma eficaz de reduzir os efeitos negativos da mudança climática por que vem passando o planeta. A contestação, que a Science publicou em sua edição de 18 de outubro, é assinada por pesquisadores de todas as partes do mundo, 8 deles do Brasil(*). De acordo com ela, além de outros pontos preocupantes, a estimativa de sequestro de carbono apresentada na pesquisa original é irreal e foi fortemente superestimada.

Segundo o artigo The global tree restoration potential, assinado por cientistas europeus, entre eles um representante da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), o florestamento e o reflorestamento de 900 milhões de hectares ao redor do mundo seriam suficientes para promover o sequestro de 205 gigatoneladas de carbono (GtC). Isso significaria que o simples plantio maciço e indiscriminado de árvores compensaria cerca de um terço de todo carbono já emitido pelo homem ao longo de sua história (660 GtC), notadamente a partir do século 18, com a Revolução Industrial.

No texto agora publicado, os especialistas demostram que, se o plantio de árvores fosse realizado na perspectiva indistinta proposta pelo estudo original, ele poderia, em certos casos, colaborar para um maior aquecimento global, além de comprometer biomas.

Fora isso, os pesquisadores esclarecem que seria errôneo considerar como positivo o florestamento de campos, savanas e matorrais (ecossistemas cuja manutenção da biodiversidade pressupõe justamente a pouca cobertura de árvores) bem como o florestamento em regiões nas quais o dossel que seria formado pela copa das árvores reduziria o albedo terrestre, como as áreas de altas latitudes.

“As árvores são menos refletivas que a neve, que o solo descoberto ou que os campos. Portanto, absorvem mais energia solar, que é finalmente emitida como calor. Assim, em altas latitudes e elevações, o efeito de aquecimento causado pelas árvores é maior que o efeito de resfriamento que elas causam via sequestro de carbono”, escrevem os pesquisadores em seu comentário. “Da mesma forma, árvores plantadas em regiões semiáridas e de baixa latitude podem produzir aquecimento por décadas, antes que os benefícios do sequestro de carbono sejam realizados”, argumentam.

“Colonialismo científico”

O comentário técnico destaca que o artigo da Science superestimou em quase 100 gigatoneladas os ganhos de carbono orgânico no solo (SOC) que o aumento da cobertura arbórea geral causaria, na medida em que assumiu erroneamente que áreas sem árvores necessariamente não possuem SOC, quando, na verdade, em áreas como as das savanas tropicais úmidas, por exemplo, 86% de todo o carbono está no solo. As correções reduzem a estimativa de potencial sequestro de carbono por um fator de cinco, limitando-se à quantidade ainda substancial de 42 GtC.

Fernando Augusto de Oliveira e Silveira e Geraldo Wilson Fernandes, professores do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, uniram-se aos demais cientistas movidos pela gravidade do tema. “A verdade é que o artigo conta com vários erros metodológicos, a começar por partir de um conceito errado de floresta”, explica Fernando Augusto. “Seus autores consideram como floresta qualquer área que tenha mais de 10% do terreno preenchido por árvores: isso é falta de conhecimento ecológico, que remonta a um colonialismo científico muito torpe”.

O professor ainda evidencia a falta de especialização técnica dos autores do artigo original. “Estamos falando de pessoas que, em sua maioria, não têm formação de ecologia de campo, mas sim no campo da engenharia florestal ou da modelagem matemática. Eles só trabalham com modelos matemáticos; ignoram como a natureza funciona efetivamente, a complexidade de seus ecossistemas. Falam em plantar árvores em lugares em que o clima não consegue suportar, em que a terra não consegue suportar. Para essas pessoas, tudo é árvore”.

Agravando a crise ambiental

Geraldo Wilson Fernandes também ficou perplexo com a proposta de se florestar biomas como a savana e o cerrado. “O cerrado, por exemplo, é uma floresta de cabeça para baixo, um bioma importantíssimo para a produção de água, para a biodiversidade. Enchê-lo de árvores, como propõe o artigo, pode influenciar dramaticamente a produção de água, tornando ainda pior a crise ambiental que o mundo está vivendo”

“Embora a restauração ecológica, se cuidadosamente implementada, possa ter um papel na mitigação da mudança climática, ela não substitui o fato de que a maioria das emissões de combustíveis fósseis precisará parar para que possamos cumprir as metas do Acordo de Paris”, alertam os pesquisadores no comentário. “Essa ação deve ser acompanhada de políticas que priorizem a conservação de ecossistemas intactos da biodiversidade, independentemente de conterem muitas árvores”, insistem.

Interesses econômicos

Segundo Fernandes, as estratégias do texto original não têm base científico-ecológica. “Elas propõem, no fim das contas, transformar biomas complexos em grandes roças de eucaliptos, que não têm relação nenhuma com a fauna e a flora local, e levam o solo ao caos. Portanto, é preciso entender qual a motivação de se propor algo desse tipo. São medidas que atendem não ao interesse do meio ambiente, mas ao interesse de empresas ligadas ao ramo da silvicultura”, alerta.

O artigo publicado na Science recebeu outras seis críticas, além da feita pelos professores da UFMG.  “A verdade é que existe uma agenda política – que não é só política, mas também econômica – de fomentar o plantio de árvores. Existe uma indústria por trás desse tipo de discurso acadêmico, uma indústria que está financiando esses projetos de florestamento. Há muita gente ganhando dinheiro com o plantio de árvores”, alerta Fernando Augusto.

A pesquisa publicada pela Science e contestada pelos 46 cientistas foi financiada pela DOB Ecology, fundação ambiental holandesa, pelo Plant-for-the-Planet, grupo de fomento ao plantio de árvores, e pelo ministério alemão para a cooperação econômica e o desenvolvimento. Sua coleta de dados, em especial, foi parcialmente subsidiada pela iniciativa internacional para o clima do ministério alemão para o meio ambiente, conservação da natureza, construção e segurança nuclear.

(*) Assinam o comentário pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Estadual Paulista (UNESP), Universidade Estadual de Maranhão (UEMA), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Instituto Florestal do Estado de São Paulo e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS).

Foto em destaque: Plantio de mudas na Floresta da Tijuca, RJ. Crédito: Tânia Rego/Agência Brasil

Com informações da Assessoria de Imprensa da UFMG

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