Drogas: policonsumo coloca autoridades da União Europeia em alerta
Na última terça-feira, 10, o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT) publicou seu último relatório sobre o uso de entorpecentes em solo europeu. Depois de 30 anos de existência, com sede em Lisboa, capital de Portugal, ele deixa de existir e se transforma, a partir do próximo dia 2, na Agência da União Europeia sobre Drogas. Esse último documento resumiu a dimensão do desafio que a nova agência terá pela frente e alertou para uma ameaça crescente por lá: o consumo de duas ou mais substâncias psicoativas ao mesmo tempo ou em sequência. Seja, por exemplo, a mistura de opiáceos com as benzodiazepinas (normalmente usadas contra convulsões, para reduzir a ansiedade, a agressividade, sedar e induzir ao sono, diminuir a tensão muscular), seja a mistura de cocaína com álcool, o policonsumo aumenta os riscos para a saúde do consumidor e complica a ação dos agentes sanitários no combate à overdose, por exemplo.
Sintéticos preocupam
A cannabis e a cocaína são duas das substâncias mais consumidas na União Europeia, mas as autoridades estão de olho na chegada de alternativas à heroína pura, mais perigosas. A maior parte da heroína consumida na Europa vem do Afeganistão. Em 2022, os talibãs anunciaram a proibição do cultivo da papoula-dormideira, a planta mãe da heroína. A decisão talibã ainda não resultou numa significativa redução na entrada desse opiáceo na Europa, mas opções sintéticas já se preparam para ocupar ou dividir seu espaço.
Desde 2009, surgiram 81 novos opioides sintéticos no mercado europeu de droga. No final de 2023, o Observatório monitorava cerca de 950 novas substâncias psicoativas, das quais 26 nunca tinham sido detectadas pelo radar das autoridades. Seis dos sete novos opioides sintéticos registrados pela primeira vez eram nitazenos. O nitazeno é uma droga considerada 500 vezes mais potente que a heroína, com risco de envenenamento e morte bem maiores. Encontrado em medicamentos falsificados, o nitazeno vem sendo oferecido como “heroína sintética”.
Em 2023, os nitazenos foram associados a um aumento acentuado de mortes na Estônia e na Letônia e a surtos localizados de envenenamento na França e na Irlanda. Fora da União Europeia, foram associados a overdoses de droga na Austrália, na América do Norte e no Reino Unido. Atualmente, os nitazenos e substâncias semelhantes podem passar despercebidos em testes de toxicologia post mortem de rotina em alguns países, pelo que as mortes associadas podem ser em número bem maior que o registrado. Além dos nitazenos, foram encontrados novos opioides sintéticos em diferentes misturas contendo novas benzodiazepinas ou o sedativo animal xilazina. Estas combinações, conhecidas, respectivamente, por “benzo dope” (uma mistura de benzodiazepínicos com heroína ou fentanil) e “tranq dope” (uma mistura de fentanil com xilazina) foram associadas a envenenamentos, incluindo mortes na América do Norte.
Cocaína
Pelo sexto ano consecutivo, os 27 estados que formam a União Europeia apreenderam quantidades recordes de cocaína em 2023, ultrapassando as apreensões realizadas nos Estados Unidos da América, historicamente o maior mercado do mundo. Quase 70 por cento da cocaína foram apreendidas na Bélgica (111 toneladas), na Espanha (58,3 toneladas) e nos Países Baixos (51,5 toneladas). Grandes volumes da droga chegam ao território europeu via contêineres em portos como o de Antuérpia, na Bélgica. Para combater o tráfico, a UE criou neste ano a Aliança Europeia dos Portos, uma parceria público-privada com o objetivo de aumentar a fiscalização e impedir a ação do crime organizado. Mas o abastecimento acaba acontecendo via portos menores de países-membros, como a Suécia, ou de vizinhos que fazem fronteira com a UE, como a Noruega, ao norte.
De acordo com Alexis Goosdell, diretor do OEDT, a nova agência terá mais força para prever futuras ameaças e tendências, alertar em tempo real sobre novos riscos para a saúde e a segurança humanas, ajudar a União Europeia e seus estados-membros a encontrar melhores estratégias no combate ao mercado de drogas e à toxicodependência, um problema de saúde pública cada vez mais preocupante. É o que as autoridades esperam.
Escritor e jornalista formado pela Universidade de São Paulo, com passagem pelo Diário Comércio e Indústria, pela Revista dos Tribunais, pela Editora Abril e diversos outros órgãos de imprensa, com especialização em extensão rural e jornalismo científico.