Documentário divulga e defende comunidades apanhadoras de flores sempre-vivas, patrimônio agrícola mundial

Documentário divulga e defende comunidades apanhadoras de flores sempre-vivas, patrimônio agrícola mundial
Guardiães mundiais da biodiversidade Apanhadoras de flores se candidatam ao selo FAO/ONU de Sistemas Agrícolas Tradicionais Os turistas que vão a Diamantina, importante cidade histórica mineira, localizada no Vale do Jequitinhonha, costumam levar de lembrança arranjos de sempre-vivas, flores secas do Cerrado, de grande beleza, que brotam em quantidade na Serra do Espinhaço. O que muitos não sabem é que, por meio desse ofício, associado a outras atividades e meios de sobrevivência, as apanhadoras de flores da região e suas famílias formam comunidades responsáveis pela preservação e conservação de um importante bioma da natureza. Graças a seu modo de vida, que engloba técnicas ancestrais de manejo do meio ambiente, as comunidades de apanhadoras de flores, formadas, em sua maioria, por quilombolas (remanescentes de antigos quilombos de escravos), poderão ser aceitas no seleto grupo de “guardiães mundiais da biodiversidade”. O título é um reconhecimento da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO/ONU) a grupos tradicionais que preservam técnicas milenares de manejo da terra e desenvolvem em seu território uma relação sustentável com a natureza. Com isso, qualificam-se a integrar o programa da FAO de reconhecimento de Sistemas Agrícolas Tradicionais de Relevância Global. Com a entrega de um dossiê ao representante da FAO no Brasil, Alan Bojanic, durante o I Festival dos Apanhadores e Apanhadoras de Flores Sempre-Vivas, realizado em Diamantina, nos dias 21 e 22 de junho de 2018, essas comunidades formalizaram a sua candidatura ao selo internacional, com apoio de estudiosos e pesquisadores de universidades federais e de outros órgãos públicos, como a Embrapa, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. A expectativa é grande, tanto entre os pesquisadores quanto entre as lideranças comunitárias. Afinal, em todo o mundo, apenas 50 comunidades de 20 países, a maioria localizada na Ásia, com predom

Nas campinas da Serra do Espinhaço, em Minas Gerais, nascem belas flores sempre-vivas que, a cada ano, são colhidas por comunidades locais para comercialização e têm seu território cuidado para que, no próximo ano, novas flores cresçam. Esse ciclo que vem atravessando gerações já se tornou parte da história e da tradição das cidades de Diamantina, Presidente Kubitschek e Buenópolis. Suas comunidades tradicionais apanhadoras de flores sempre-vivas são reconhecidas pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO/ONU), desde 2020, como Sistema Importante do Patrimônio Agrícola Mundial, título concedido pela primeira vez ao Brasil.

Relatando a vida, o trabalho, a luta dessas comunidades pela preservação do seu ofício e o processo de elaboração de protocolos de consulta comunitários, a Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas (Codecex) e a Terra de Direitos lançam o documentário “Serra Nossa, Sempre Viva” no 2º Festival das Apanhadoras de Flores Sempre-vivas, evento que tem o intuito de valorizar a identidade e o modo de vida dessas comunidades. O Festival acontece nos dias 14 e 15 de setembro, no Mercado Velho, no centro histórico de Diamantina (MG), e o lançamento do documentário será realizado no dia 14 de setembro, às 17h30, com entrada gratuita. Assista ao teaser. Após a estreia, o filme ficará disponível no canal da Terra de Direitos no YouTube.

O documentário, que tem duração de 37 minutos, aborda três pontos muito importantes para as comunidades apanhadoras de sempre-vivas: a relação delas com o território onde vivem e a Serra do Espinhaço; a luta pela regularização fundiária das comunidades, que estão sendo proibidas de praticar sua atividade tradicional e sustentável por causa da criação de Unidades de Conservação (UCs) no local; e a construção dos Protocolos de Consulta Prévia, Livre e Informada, um direito previsto pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que visa garantir às comunidades tradicionais a consulta sobre qualquer modificação que afete suas vidas ou seu território.

“Nossas comunidades sempre viveram na invisibilidade. Produzir um documentário que conta um pouco da história e da luta de um povo é dar visibilidade a ele, e visibilidade é a garantia da continuação do seu modo de vida tradicional. No processo de criação dos protocolos de consulta, as comunidades entenderam a importância de ter várias ferramentas de luta, de ter acesso às políticas públicas, e a construção se deu de forma participativa, dentro do território delas. A coisa mais bonita de se ver foi o empoderamento das pessoas no uso dessa ferramenta, e a demanda mais urgente é o acesso ao território que é peça fundamental para essas comunidades”, comenta Tatinha Alves, apanhadora de flores sempre-vivas e coordenadora técnica da Codecex.

As comunidades apanhadoras de flores sempre-vivas são formadas por remanescentes de quilombos, caboclos, lavradores de terra, descendentes de garimpeiros e uma diversidade de outros grupos. Elas têm como principal atividade a apanha ou “panha” das sempre-vivas, a qual faz parte da sua identidade de povo tradicional e representa uma fonte de renda essencial. Ao longo do tempo, essa e outras atividades de subsistência, como a agricultura familiar, a coleta de frutos e o manejo do gado, vêm sendo realizadas em relação harmônica com a natureza, permitindo a preservação da serra. O modo de vida dessas comunidades é extremamente dependente do ambiente em que vivem e sua forma de coleta das flores é um patrimônio que está ameaçado.

“A criação das Unidades de Conservação na Serra do Espinhaço desconsidera a presença histórica de pessoas que sobrevivem da utilização de recursos encontrados ali. Desde então, além da dificuldade de subsistência e de geração de renda, as comunidades apanhadoras de flores sempre-vivas têm convivido com restrições, ameaças, constrangimentos e outros tipos de violência por parte de funcionários de institutos governamentais. O documentário ‘Serra Nossa, Sempre Viva’ denuncia essa situação e registra a importância cultural e ambiental dessas comunidades”, comenta Alessandra Jakobovski, assessora jurídica da Terra de Direitos.

Essas comunidades se intitulam guardiãs tanto das sementes das flores quanto de outras plantas agrícolas tradicionais. Estudos da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) mostram que as mais de 90 espécies de flores sempre-vivas já identificadas na região foram preservadas pelas comunidades. A contribuição está na técnica ancestral de fazer a coleta, na rotatividade do plantio das roças e no uso de sementes crioulas, cultivadas ao longo de gerações.

Erci Alves, da comunidade Raiz, é uma das apanhadoras de flores sempre-vivas, realizando este trabalho desde criança. Ela conta que aprendeu a colher as flores com os pais, que aprenderam com seus bisavós, uma tradição na família. “Depois de colher, secamos as flores e vendemos para exportação. E tem também uma espécie de flor que apanhamos para a produção de artesanato em capim dourado”, explica. Mas, ultimamente, Erci não tem conseguido colher as flores como antes porque sua comunidade perdeu o território para a monocultura de eucalipto. “Por isso é tão importante fazer um documentário sobre nós, apanhadores de flores, ajuda no reconhecimento dos povos tradicionais”, comenta.

Os protocolos comunitários de consulta prévia das comunidades

Os protocolos elaborados pelas comunidades, com assessoria da Codecex e da Terra de Direitos, começaram a ser construídos em 2016 e foram lançados em 2019, processo relatado no documentário “Serra Nossa, Sempre Viva”. São eles o “Protocolo Comunitário de Consulta Prévia Apanhadoras e Apanhadores de Flores Sempre-Vivas” e o “Protocolo Comunitário de Consulta Prévia Comunidades Quilombolas Apanhadoras de Flores Sempre-Vivas”. Esses documentos têm sido um instrumento fundamental na defesa dos territórios tradicionais pelas comunidades.

Dentre as determinações contidas nos protocolos está a exigência de que qualquer pesquisa no território seja de interesse da comunidade e que seus efeitos sejam benéficos, visto que são frequentes as investidas de grandes fazendeiros e invasores ao território, cercando as terras de uso comum das comunidade e as impedindo o acesso aos campos de flores.

2º Festival das Apanhadoras de Flores Sempre-vivas

Nesta edição, além do lançamento do documentário “Serra Nossa, Sempre Viva”, o Festival conta com a Feira de Produtos da Serra do Espinhaço, oficinas de artesanato e de regularização fundiária e de direitos quilombolas, exposição de fotografias com cortejo convidativo, exibição do vídeo “Tempo de Flor”, apresentações culturais e duas Mesas de Diálogo: “I Sistema Importante do Patrimônio Agrícola Mundial (SIPAM) brasileiro e o papel do Estado em seu fortalecimento” e “O Caminho das Flores: Perspectivas e desafios ao Plano de Conservação Dinâmica (PCD) do SIPAM dos/as Apanhadores/as de Flores Sempre-vivas”.

O evento celebra o título patrimonial concedido pela ONU às comunidades apanhadoras de flores sempre-vivas e cria espaços de expressão do conhecimento e da cultura dessas comunidades, promovendo o diálogo sobre seu modo de vida tradicional, a valorização dos produtos e conhecimentos tradicionais e o fortalecimento político e social de suas organizações.

Serviço

Lançamento do documentário Serra Nossa, Sempre Viva: protocolos de consulta das apanhadoras de flores (37 min), produção coletiva Codecex e Terra de Direitos

14 de setembro, às 17h30

Festival das Apanhadoras de Flores Sempre-vivas

Mercado Velho – Diamantina, MG

Entrada gratuita

Imagem em destaque: Divulgação.

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