Desnutrição ou supernutrição da gestante pode explicar doenças de seu bebê na fase adulta

Desnutrição ou supernutrição da gestante pode explicar doenças de seu bebê na fase adulta
Foto Crédito: Luana Azevedo/Unsplash

Filhos de mulheres que passaram fome na gravidez tendem a nascer com baixo peso e desenvolver hipertensão, alterações na resposta ao estresse, problemas cardíacos, maior propensão a diabetes e aumento da resistência insulínica. Na outra ponta, filhos de mulheres com obesidade gestacional tendem a nascer com alto peso, mas também a apresentar problemas metabólicos na fase adulta. A explicação é de José Donato Júnior, professor do Instituto de Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP). Em outras palavras, a desnutrição ou a supernutrição da mãe durante períodos críticos de desenvolvimento do bebê pode fazer com que o bebê fique predisposto a doenças metabólicas na fase adulta, como diabetes mellitus tipo 2 e obesidade, por exemplo. Os pesquisadores dão a isso o nome de programação metabólica.

Fruto de pesquisa com o objetivo de entender como as peças dessa intrincada programação se encaixam, um artigo de autoria do professor Donato acaba de ser publicado na revista Nature Reviews Endocrinology. Donato explica que, por muitos anos, o tecido adiposo – as famosas gordurinhas – foi considerado um mero depósito de energia, onde a gordura era armazenada para ser usada quando necessário. Essa visão, no entanto, começou a mudar com os estudos que descobriram que o tecido adiposo produz hormônios importantes para o controle do metabolismo, como a leptina e a adiponectina. A essa classe de compostos deu-se o nome de adipocinas. São essas substâncias que fazem a intermediação entre a saúde da gestante e o desenvolvimento dos filhos, sobretudo em uma área de pesquisa chamada “origens desenvolvimentistas da saúde e doença” (DOHaD, na sigla em inglês).

A relação entre alimentação materna e doença dos filhos quando adultos foi observada pela primeira vez durante a chamada “fome holandesa”, que ocorreu na Segunda Guerra Mundial, após o exército nazista cortar o suprimento de alimentos para o país.

Nesses primeiros estudos, sugeriu-se que a carência alimentar das mães levava a um atraso no desenvolvimento dos filhos, como resultado de um processo adaptativo ao baixo nível de nutrientes que recebiam durante a fase fetal e o início da vida.

A linha de pesquisa, que começou com estudos sobre desnutrição, avançou nas últimas décadas para a obesidade. “Vamos supor que, anos depois, esse mesmo indivíduo que passou por uma programação metabólica comece a ter acesso a alimentos altamente palatáveis, ultraprocessados e cheios de calorias. O organismo que estava adaptado para lidar com a escassez se depara com o excesso. Talvez isso ajude a explicar a epidemia de obesidade que temos atualmente”, diz.

De acordo com Donato, estudos mais recentes têm mostrado também que a obesidade materna, a diabetes gestacional e o ganho de peso excessivo durante a gravidez produzem no feto um efeito parecido com o da desnutrição, por também afetar a sensibilidade e os níveis de leptina e adiponectina circulantes na mãe e no feto. “Alguns dos hormônios ligados ao tecido adiposo estão baixos ou apresentam alteração em sua ação, como é o caso da leptina, que promove a adaptação do gasto de energia relacionada à escassez ou ao excesso”, explica.

Donato ressalta no texto que a leptina provavelmente programe o metabolismo do bebê no início da vida, controlando o desenvolvimento de neurônios que regulam o balanço energético, induzindo mudanças permanentes na preferência por alimentos hiperpalatáveis e diminuindo o gasto energético.

Já os efeitos da adiponectina ocorrem na mãe e na placenta, regulando a exposição fetal a nutrientes e, consequentemente, o crescimento e a nutrição fetal, trazendo consequências de longo prazo para o metabolismo e a predisposição a doenças.

É o que os cientistas chamam de mudanças epigenéticas, ou seja, modificações bioquímicas nas células ocasionadas por estímulos ambientais que promovem a ativação ou o silenciamento de genes sem provocar mudanças no genoma do indivíduo. No caso das adipocinas, elas são capazes de alterar a capacidade de alguns genes serem mais ou menos expressos e também fatores de transcrição que, por sua vez, afetam genes relacionados a como as proteínas interagem com o DNA.

O entendimento desse passo a passo pode auxiliar a estabelecer estratégias futuras para a prevenção e o tratamento de doenças metabólicas, como diabetes, obesidade, hipertensão e dislipidemia (colesterol alto). “Entender esses mecanismos possibilita que intervenções sejam feitas, pois a manipulação de hormônios do tecido adiposo pode ser o embrião de futuras terapias. Veja o caso do diabetes gestacional, por exemplo: a despeito de sua alta prevalência, ainda não existe uma terapia. A indicação é controle da dieta e, se não for suficiente, administrar insulina, o que é extremamente adipogênico [favorece a formação de novos adipócitos] para a mãe e o bebê. A responsabilidade fica muito em cima das mães. Parece que não damos a mesma atenção para os cuidados maternos que damos a outras doenças”, conclui o pesquisador.

O trabalho do professor Donato tem o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Com informaçãoi de Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP
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