Com Lula, economia irá no rumo de Argentina e Venezuela? Especialista diz que não
Paulo Cunha (*)
Má gestão financeira e organizacional tem sido um problema constante dos governos argentinos ao longo dos últimos anos. Na Venezuela, a situação política de imposição, colocada por Nícolas Maduro, levou o país a uma instabilidade social e econômica e ambas atingiram patamares colapsáveis. A Argentina chegou ao maior nível de inflação dos últimos 30 anos, registrando 88% ao ano, no último mês de outubro; já a inflação na Venezuela disparou para o patamar de 300% ao ano.
A situação econômica dos países vizinhos tem alimentado medo e incertezas no mercado financeiro brasileiro. Essa “angústia” é resultado da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para comandar o país pela terceira vez a partir de 2023. O governo petista possui bases que se aproximam dos ideais governamentais das atuais gestões de Argentina e Venezuela, o que tem gerado dúvidas no panorama político econômico local.
No entanto, o Brasil possui diversos pontos divergentes em relação às políticas econômicas adotadas por esses países, até mesmo o modelo de gestão governamental segue uma linha diferente.
Para Paulo Cunha, especialista em mercado financeiro e CEO da iHUB Investimentos, a democracia brasileira cumpre um papel de equilibrar os idealismos: “Apesar de todas as críticas que podemos fazer da nossa jovem democracia, fato é que ela ainda assim possui um certo equilíbrio de forças e arcabouço institucional”, explica.
Além de uma democracia abrangente e equilibrada, fatores exclusivamente econômicos solidificam a diferenciação entre Brasil, Argentina e Venezuela. Cunha comenta que o Brasil possui três pontos divergentes e fundamentais para sustentar a tese de que o país não seguirá caminhos semelhantes aos seus vizinhos:
- Boa reserva em dólares;
- Forte exportação de commodities;
- Banco Central independente.
Brasil possui R$330 bilhões em reservas
Diferente das décadas de 80 e 90, quando o país era um devedor líquido, atualmente o Brasil é um credor líquido internacional, tendo mais reservas do que dívidas em dólares. Segundo informações do Tesouro Nacional, o país possui aproximadamente US$330 bilhões em reservas, contra US$30 bilhões em dívidas (majoritariamente dívidas internas – em reais – representando apenas 3% da dívida total do Brasil).
Em uma eventual disparada do dólar, esse “colchão” de proteção, criado através das reservas de moeda americana, se valoriza em reais, evitando que o movimento de aumento perdure de forma muito intensa e por um período prolongado.
Já nossos vizinhos sul-americanos, tanto a Argentina, quanto a Venezuela, são devedores líquidos, possuindo mais dívidas do que reservas internacionais. Quando existe alta do dólar na economia, a dívida aumenta, o risco se potencializa, acarretando em mais fuga de moeda e novamente em maior alta do dólar, causando uma espiral inflacionária e fuga de capital.
“As reservas internacionais robustas permitem que Banco Central do Brasil utilize-as para amortecer choques na moeda brasileira e proteger também o real de posições especulativas, podendo liberar ou enxugar a liquidez e normalizando o mercado de câmbio”, explica Cunha.
Balança comercial favorável
De janeiro a novembro de 2022, a economia brasileira exportou 298 bilhões de dólares e importou 243 bilhões, resultando em um saldo positivo de mais de 55 bilhões de dólares na balança comercial do país. Essa movimentação acarreta no aumento de reservas em dólares internacionais, e gera certa margem de segurança nas reservas locais.
O petróleo é responsável por um terço do PIB e por cerca de 80% das receitas de exportação da Venezuela, tornando o país extremamente dependente de preços favoráveis dessa matéria prima no mercado internacional.
Já o Brasil possui um grande leque de matérias primas, sendo a soja a principal, cuja representação é de “apenas” 14% do volume total; a lista segue por várias outras commodities como minério de ferro, petróleo bruto, açúcar e carne bovina. Um portfólio diversificado ajuda a economia local a não ficar exposta a uma crise ocasionada pela queda nos preços de uma determinada matéria-prima, assim como ocorre com a Venezuela.
Além disso, o Brasil está entre as 10 principais economias mundiais, tendo um imenso mercado interno com mais de 200 milhões de consumidores e detendo a principal metrópole e centro financeiro da América Latina, São Paulo.
O PIB brasileiro também mostra a força do consumo interno, principalmente no setor de serviços, que representa 60% do produto interno bruto. O dado evidencia uma certa renda do brasileiro para consumir, diferentemente da Argentina e Venezuela, em que a perda de renda nos últimos anos é consideravelmente alta.
Autonomia do Banco Central
Recentemente, o Banco Central brasileiro ganhou status de “independente”, isso significa que o seu presidente possui um mandato fixo de quatro anos, não converge com o mandato presidencial e o líder do executivo não pode demiti-lo durante o período. Essa estabilidade cria um certo conforto para que a instituição possa aplicar políticas de ajuste monetário, caso a inflação comece a dar sinais de aumento.
Na Turquia, em 2021, o presidente Erdogan demitiu o líder do Banco Central, Naci Agbal, dois dias após Naci ter aumentado a taxa de juros do país. A demissão não esperada custou ao país um derretimento de 15% da moeda, apenas no dia do evento.
“A independência do Banco Central gera segurança econômica e confiança de que nenhuma interferência política poderá intervir no desenvolvimento da instituição financeira, criando um respaldo técnico para o mercado financerio”, finaliza Paulo Cunha.
CEO da iHUB Investimentos, empresa especializada em assessoria de investimentos.