Celulares fora da sala de aula. Adolescentes ficam “perdidos” sem esses aparelhos eletrônicos
A preocupação com o uso de celulares nas escolas ganhou um novo capítulo no Brasil. A Comissão de Educação (CE) da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (30) o projeto de lei 104/2015, que proíbe o uso de celulares e outros aparelhos eletrônicos portáteis em salas de aula. O texto agora segue para análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A medida atende recomendação de um relatório publicado em julho pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que sugere o banimento de celulares nas unidades de ensino. Países como França, EUA, Finlândia, Itália, Espanha, Portugal, Holanda, Canadá, Suíça e México já adotam restrições similares.
Recente relatório do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) de 2022, divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mostra que alunos usuários de smartphones e outros dispositivos digitais de cinco a sete horas por dia tiveram pontuação menor em testes que avaliaram o desempenho em matemática. (saiba mais)
Segundo a pesquisa da Common Sense Media de 2021, adolescentes entre 13 e 18 anos passam, em média, 7 horas e 22 minutos por dia em dispositivos móveis, excluindo atividades escolares. Crianças entre 8 e 12 anos, por sua vez, gastam cerca de 4 horas e 44 minutos diários. No Brasil, a TIC Kids Online Brasil 2021 revela que 89% dos jovens entre 9 e 17 anos acessam a internet diariamente, sendo que 85% utilizam o celular como principal meio de conexão.
O uso prolongado de celulares tem sido associado a dificuldades de concentração e redução da capacidade de memorização. Pesquisas da American Academy of Pediatrics apontam que a exposição excessiva às telas durante a infância e a adolescência pode comprometer o desenvolvimento de funções executivas, essenciais para a resolução de problemas e tomada de decisões. Além disso, o uso constante de aplicativos de redes sociais, jogos e vídeos, que oferecem gratificações rápidas, pode reduzir a paciência e dificultar o foco em atividades mais longas e complexas, como leitura e estudos.
O uso excessivo de celulares também está ligado a problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão. A última pesquisa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) revela que adolescentes que passam mais tempo em redes sociais apresentam maiores níveis de solidão e insatisfação com a própria vida. O ciclo de comparação constante em plataformas digitais, associado à busca incessante por curtidas e comentários, afeta diretamente a autoestima desses jovens.
Outro aspecto preocupante é a interferência no desenvolvimento das habilidades sociais. Crianças e adolescentes estão trocando interações presenciais por conversas via mensagens de texto ou redes sociais, o que pode enfraquecer a capacidade de construir relacionamentos saudáveis. O uso excessivo de celulares pode gerar isolamento social, dificuldades de comunicação verbal e menor empatia nas interações humanas, prejudicando a construção de laços afetivos com familiares e amigos.
Esther Frozi, psicóloga da Rio Christian School, destaca que muitos adolescentes têm dificuldade em se desvincular das telas, mostrando sinais de dependência tecnológica. “A transição para uma rotina com menos celular é desafiadora para muitos adolescentes. Temos alunos que se sentem perdidos sem o aparelho e demonstram sintomas semelhantes aos de abstinência. Nesses casos, trabalhamos não só com orientação, mas com um acompanhamento psicológico mais próximo, buscando ajudar os jovens a desenvolverem um relacionamento mais saudável com a tecnologia,” afirma ela.
Ela reforça ainda que o trabalho de conscientização está sendo feito de maneira integrada, com aulas específicas voltadas para a educação digital e rodas de conversa, onde os alunos são incentivados a compartilhar suas experiências e dificuldades. “A proposta é de que eles entendam que o uso do celular deve ser equilibrado, e que existem momentos adequados para desconectar e viver experiências mais reais e significativas,” conclui.
Brincar longe do celular
De acordo com Karla Cerávolo, psicóloga obstétrica, coordenadora do curso de pós graduação em psicologia perinatal e obstétrica do Instituto Suassuna e idealizadora do projeto Brincar como antigamente, brincar longe do celular é importante para as crianças por uma série de razões. “Uma delas é porque é necessário que as crianças corram, pulem e brinquem ao ar livre. O movimento ajuda a construir um estilo de vida mais saudável”, destaca.
Além disso, a especialista explica que o tempo prolongado de tela pode ser estressante para os pequenos. “O estresse pode ser físico e mental, já que as brincadeiras liberam endorfina, melhoram o humor, e as telas não. Inclusive, ficar muito tempo no celular pode interferir até mesmo no padrão de sono das crianças”.
Para a psicóloga, brincar com outras crianças permite o desenvolvimento de habilidades sociais importantes, ensinando a cooperar e resolver conflitos. “Além disso, brincadeiras permitem que as crianças expandam a criatividade, o que as ajudará a resolver problemas de forma inovadora ao longo da vida”, destaca.
Além da escola
Para o pesquisador e neuroeducador Fernando Lino, as restrições e o banimento do uso de celulares durante o horário escolar podem, sim, ser benéficos, dependendo do contexto. Porém, é importante lembrar que a vida da criança não se limita ao ambiente escolar. Problemas como o cyberbullying, por exemplo, costumam ocorrer fora dos muros das escolas, em momentos de interação on-line. Por isso, a melhor solução, a longo prazo, segundo ele, é a conscientização tanto dos alunos quanto das famílias sobre o uso responsável da tecnologia.
“Promover o diálogo e educar sobre hábitos digitais saudáveis ajudam a desenvolver autonomia e senso de responsabilidade, criando uma cultura de bem-estar digital que ultrapassa os limites da sala de aula. Afinal, aprender a gerenciar a tecnologia de forma equilibrada é uma habilidade essencial para a vida toda”, conclui.