Fiocruz: Brasil corre risco de agravar doenças infecciosas por falta de saneamento

Saneamento básico na cidade de Maceió, Alagoas. Foto: Carolina Gonçalves/Agência Brasil – EBC

Doenças como a dengue, o cólera, o hantavírus, a hepatite C e a leishmaniose visceral, por exemplo, podem ser agravadas no Brasil caso não seja posto em prática um plano de saneamento básico com ações de curto e médio prazos. O alerta é do engenheiro sanitarista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Alexandre Pessoa, depois que o Ministério do Desenvolvimento Regional não acatou a inclusão de algumas medidas propostas pela Fundação para a nova versão do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) em substituição ao de 2013.

Segundo o pesquisador, abastecimento de água potável e a coleta e tratamento do esgoto são direitos humanos e esse princípio deveria estar presente no Plano. No entanto, o governo descartou sua inclusão alegando que os princípios fundamentais do saneamento não caberiam na revisão em seu primeiro período de implantação e deixou sua rediscussão para 2033. Alexandre afirma que o governo resistiu em considerar o direito humano como sendo a principal orientação do Plansab. Com isso, perdeu “uma importante oportunidade de considerar o saneamento uma prioridade de política pública a ser garantida pelo Estado”.

Alexandre chama a atenção para outra emenda sugerida pela Fiocruz e que não foi acatada: assegurar o acesso de todos aos serviços de saneamento e soluções em esferas da vida para além da moradia. Ele argumenta que essa medida é importante, pois leva em conta as populações de rua, os espaços públicos, locais de trabalho, presídios, escolas, estabelecimentos de saúde etc. Essa questão também ficou para ser discutida na futura revisão do plano.

O sanitarista também criticou o fato de não terem sido aceitas nesta revisão as estatísticas de acesso ao saneamento segundo variáveis socioeconômicas de renda, cor da pele, gênero, nível de escolaridade, população indígena x não indígena, população em situação de rua, migrantes e refugiados. O pesquisador entende que é necessário apresentar as desigualdades sociais no país e fortalecer o seu monitoramento. De acordo com ele, isso precisaria ser expresso em um documento, mas o governo argumenta que não existem dados comparáveis e que essa avaliação seria pertinente a partir do próximo Censo, que ocorre em 2020. 

“Esse tipo de raciocínio, em vez de fortalecer o Plansab, na avaliação real de um país que tem diversas desigualdades sociais, peca por trabalhar com valores de média, que não expressam diretamente as vulnerabilidades socioambientais. Para conhecermos melhor as desigualdades no Brasil, precisamos ter um olhar mais atento para o saneamento”, adverte.

Saúde indígena

Outra medida descartada e proposta pela Fiocruz diz respeito à saúde indígena. O argumento para a não aceitação, segundo Alexandre, é que os dados sobre saneamento indígena estarão incorporados em indicadores auxiliares, e serão analisados anualmente em relatórios de avaliação.

Para o pesquisador, essa decisão invisibiliza as condições de acesso ao saneamento dessas populações. “Consequentemente, perde-se, também, a oportunidade de fortalecer políticas específicas para populações que sofrem não somente pela oferta de esgotamento sanitário inadequado mas também por problemas graves de contaminação dos rios, incluindo os processos de poluição química decorrentes da mineração e da agricultura à base de agrotóxicos, que avançam sobre os territórios indígenas”, afirma.

Necessidade de investimentos 

A proposta apresentada pelo governo também inverteu os percentuais estabelecidos na versão original do Plansab, em 2013. Agora, 60% dos recursos financeiros destinados ao saneamento virão de agentes internacionais, prestadores de serviço, estados, municípios e setor privado, ficando os agentes federais responsáveis pelos outros 40%. 

A Fiocruz defendeu que os percentuais do Plansab de 2013 deviam ser mantidos. Segundo o órgão, a carência de recursos públicos dos estados e municípios é agravada pela crise econômica e pelo desequilíbrio da distribuição tributária, cabendo à União o aporte maior de recursos, pelos preceitos constitucionais da solidariedade e subsidiariedade. Mas sem resultado. Para agravar a situação, Pessoa lembra que houve uma expressiva redução dos recursos à disposição dos agentes federais.

Nem tudo são espinhos

Mas, na visão de Alexandre, há o que comemorar. Entre as medidas acatadas, o terceiro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) – assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todas e todos, em todas as idades – foi incorporado ao documento. Na versão apresentada pela equipe técnica do Ministério do Desenvolvimento Regional, esse objetivo não tinha sido considerado. “Na nossa proposta, solicitamos a inclusão da medida por entendermos que saneamento e saúde são indissociáveis”, afirmou.

Um segundo item importante foi a retirada de referências a medidas provisórias ainda em tramitação no congresso nacional. Fizessem parte do texto, essas medidas promoveriam uma série de alterações no marco regulatório, salienta Alexandre.

“Para nós, caberia ter como referência somente a lei de saneamento, que é um importante marco regulatório do saneamento no Brasil. A retirada dessas medidas provisórias não elimina as preocupações quanto a possíveis revisões e novos projetos de lei que tenham uma concepção privativista das políticas de saneamento. Há o risco de que se tornem um obstáculo para grandes extensões do território nacional que precisam de saneamento básico mas que não são de interesse do setor privado porque não dariam retorno financeiro atraente. Isso acaba afetando, principalmente, as populações mais vulneráveis”, finaliza.

Plansab

Em março deste ano, o Ministério do Desenvolvimento Regional abriu uma audiência pública para colher contribuições para a primeira revisão do Plansab, principal instrumento da política pública de saneamento básico, que contempla o abastecimento de água potável; o esgotamento sanitário; a limpeza urbana e o manejo de resíduos sólidos; a drenagem e o manejo das águas pluviais urbanas.

Essa revisão tem como base um documento de referência com as atualizações que o governo pretende colocar em prática. Tem como objetivo a universalização do fornecimento dos serviços de saneamento básico à população brasileira até 2033.

Com informações da Agência Fiocruz de Notícias.

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