Astrônomos veem pela primeira vez o despertar de um buraco negro em tempo real
Imagine que você está há anos observando uma galáxia distante e ela sempre se mostrou normal, calma, inativa. De repente, seu núcleo começa a brilhar, brilhar, brilhar cada vez mais… Não é algo que dure algumas semanas ou alguns poucos meses! Passa ano, vem ano e o brilho só aumenta. A primeira pergunta que você faz é: o que é que está acontecendo? É o que os astrônomos do Observatório Europeu do Sul (ESO) vêm tentando responder desde que esse brilho cada vez mais intenso surgiu no núcleo de uma galáxia de nome complicado (SDSS1335+0728), distante 300 milhões de anos-luz da Terra. E não faz pouco tempo, não. Desde dezembro de 2019, seu brilho tem aumentado de modo “dramático”, segundo a astrônoma Paula Sánchez Sáez, principal autora do estudo publicado hoje na revista Astronomy & Astrophysics, que descreve o evento, apresenta as possíveis hipóteses para a sua ocorrência, descarta uma a uma delas e chega à mais inesperada e impressionante das conclusões: os cientistas estão testemunhando o despertar de um enorme buraco negro pela primeira vez e em tempo real! “Agora, a SDSS1335+0728 tem um “núcleo galático ativo” (AGN), uma região compacta e brilhante alimentada por um buraco negro massivo”, afirma ela.
Alguns fenômenos podem fazer com que as galáxias se iluminem de repente. Isso acontece quando, por exemplo, uma supernova explode ou há uma perturbação de marés (quando uma estrela chega muito perto de um buraco negro e é despedaçada). Mas essas variações de brilho geralmente duram algumas dezenas ou, no máximo, algumas centenas de dias. A galáxia SDSS1335+0728 está ficando mais brilhante hoje, mais de quatro anos depois de ter sido vista “acendendo” pela primeira vez. Além disso, as variações detectadas na galáxia, localizada na constelação de Virgem, são diferentes de tudo o que já foi visto antes.
A equipe liderada por Sánchez Sáez tentou compreender essas variações de brilho. Combinou dados de arquivo com novas observações feitas de diversos telescópios, inclusive com a ajuda de um instrumento chamado X-shooter, montado no telescópio que o Observatório mantém no deserto chileno de Atacama. Comparando os dados obtidos antes e depois de dezembro de 2019, a equipe descobriu que a galáxia em foco está atualmente irradiando muito mais luz ultravioleta, óptica e infravermelha. A partir de fevereiro deste ano, começou a emitir raios X. “Esse comportamento não tem precedentes”, destaca Sánchez Sáez, que também faz parte do Instituto Millennium de Astrofísica (MAS), no Chile.
“A opção mais aceitável para explicar o que está acontecendo é que o núcleo da galáxia está começando a entrar em atividade”, diz a coautora Lorena Hernández García, do MAS e da Universidade de Valparaíso, no Chile. “Se for isso, esta seria a primeira vez que vemos a ativação de um buraco negro em tempo real”, conclui.
“Isso é algo que também poderia acontecer com o nosso Sgr A, o enorme buraco negro localizado no centro da Via Láctea”, acrescenta Claudio Ricci, outro autor do trabalho, pesquisador da universidade chilena Diego Portales e também filiado ao Instituto Kavli de Astronomia e Astrofísica, da Universidade de Pequim, na China. “Esses monstros gigantes estão dormindo e não são diretamente visíveis”, finaliza.
Escritor e jornalista formado pela Universidade de São Paulo, com passagem pelo Diário Comércio e Indústria, pela Revista dos Tribunais, pela Editora Abril e diversos outros órgãos de imprensa, com especialização em extensão rural e jornalismo científico.