Astrônomos divulgam primeira imagem do buraco negro no centro da nossa galáxia
Hoje, 12 de maio, em coletivas de imprensa simultâneas em todo o mundo, inclusive na sede do Observatório Europeu do Sul (ESO), na Alemanha, os astrônomos divulgaram a primeira imagem do buraco negro supermassivo situado no centro da nossa própria Galáxia, a Via Láctea. Este resultado fornece evidências contundentes de que o objeto é de fato um buraco negro e fornece pistas valiosas sobre o funcionamento de tais gigantes, que se acredita existirem no centro da maioria das galáxias. A imagem foi criada por uma equipe internacional de pesquisadores, a chamada Colaboração Event Horizon Telescope (EHT), a partir de observações obtidas por uma rede mundial de radiotelescópios.
A imagem é uma visão muito esperada do objeto massivo que se encontra no centro da nossa Galáxia. Os cientistas já tinham observado estrelas em órbita de algo invisível, compacto e muito massivo no centro da Via Láctea. Esse fato sugeria fortemente que este objeto, conhecido por Sagitário A* (Sgr A*), se tratava de um buraco negro e a imagem de hoje fornece a primeira evidência visual direta disso.
Embora não possamos ver o buraco negro em si, já que é completamente escuro, o gás brilhante que o rodeia revela uma assinatura inconfundível: uma região central escura (chamada sombra) cercada por uma estrutura brilhante em forma de anel. A nova visão captura a luz que se curva sob a poderosa gravidade do buraco negro, que é quatro milhões de vezes mais massivo que o nosso Sol.
“Ficamos surpresos ao ver como o tamanho do anel que observamos está tão de acordo com as previsões da Teoria da Relatividade Geral de Einstein”, disse o cientista do Projeto EHT, Geoffrey Bower, do Instituto de Astronomia e Astrofísica da Academia Sínica, em Taipei. “Estas observações sem precedentes aumentaram grandemente o nosso conhecimento do que acontece mesmo no centro da nossa Galáxia e nos dão novas pistas sobre como é que estes buracos negros gigantes interagem com o meio que os rodeia.” Os resultados da equipe do EHT estão sendo publicados hoje em um número especial da revista The Astrophysical Journal Letters.
Como o buraco negro está a uma distância de cerca de 27 000 anos-luz da Terra, ele aparece para nós no céu com o mesmo tamanho de um donut na Lua. Para observá-lo, a equipe criou um poderoso EHT, ligando entre si oito observatórios rádio existentes em todo o planeta, para formar um único telescópio virtual do “tamanho da Terra” [1]. O EHT observou Sgr A* em 2017 durante várias noites, colectando dados ao longo de muitas horas seguidas, num processo semelhante a tirar uma fotografia de longa exposição com uma máquina fotográfica.
Além de outras instalações, a rede EHT de observatórios rádio inclui o Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA) e o Atacama Pathfinder EXperiment (APEX), ambos instalados no deserto do Atacama no Chile, co-pertencentes e co-operados pelo ESO em nome do seus Estados Membros na Europa. A Europa contribuiu também para as observações EHT com outros observatórios rádio — o Telescópio IRAM de 30 metros na Espanha e, desde 2018, o NOEMA (NOrthern Extended Millimeter Array) na França — além de um supercomputador que combina os dados EHT e que se encontra no Instituto Max Planck de Radioastronomia, na Alemanha. Além disso, a Europa contribuiu ainda com financiamento para o projeto do consórcio EHT através de bolsas atribuídas pelo Conselho Europeu de Pesquisa e pela Sociedade Max Planck da Alemanha.
“É muito gratificante para o ESO desempenhar um papel tão importante no desvendar dos mistérios dos buracos negros e, em particular, de Sgr A*, ao longo de tantos anos”, comentou o Diretor Geral do ESO, Xavier Barcons. “O ESO contribuiu não só para as observações EHT com o ALMA e o APEX, como também possibilitou, com os seus outros observatórios no Chile, algumas das observações do centro galáctico feitas anteriormente com enorme sucesso.” [2]
A conquista do EHT segue o lançamento da Colaboração em 2019 da primeira imagem de um buraco negro, chamado M87*, situado no centro de uma galáxia mais distante, a Messier 87.
Os dois buracos negros são muito parecidos, embora o buraco negro da nossa galáxia seja mais de mil vezes menor e menos massivo que M87* [3]. “Temos dois tipos de galáxias completamente diferentes e dois buracos negros com massas muito diferentes, no entanto, perto da borda desses buracos negros eles parecem incrivelmente semelhantes”, diz Sera Markoff, co-presidente do Conselho Científico do EHT e Professora de Astrofísica Teórica na Universidade de Amsterdã, na Holanda. “Isso nos diz que a Relatividade Geral governa esses objetos de perto, e quaisquer diferenças que vemos mais longe devem ser devido a diferenças no material que circunda os buracos negros”.
Este resultado foi consideravelmente mais difícil de se obter que o de M87*, apesar de Sgr A* se encontrar muito mais perto de nós. Chi-kwan (‘CK’) Chan, cientista do EHT no Observatório Steward e no Departamento de Astronomia e Instituto de Dados Científicos da Universidade do Arizona, EUA, explica: “O gás que se encontra perto dos buracos negros se move à mesma velocidade — quase à velocidade da luz — tanto em torno de Sgr A* como em torno de M87*. No entanto, o gás leva dias a semanas para orbitar o muito maior M87*, enquanto que em torno do mais pequeno Sgr A* completa uma órbita em meros minutos. Consequentemente, o brilho e o padrão do gás que circunda Sgr A* variavam rapidamente à medida que a Colaboração EHT o observava — um pouco como tentar tirar uma fotografia nítida a um cachorro que persegue a sua cauda a toda a velocidade”.
Os pesquisadores tiveram que desenvolver novas ferramentas sofisticadas que explicassem o movimento do gás em torno de Sgr A*. Enquanto o M87* era um alvo mais fácil e estável, com quase todas as imagens parecendo iguais, esse não era o caso do Sgr A*. A imagem do buraco negro Sgr A* é uma média das diferentes imagens que a equipe extraiu, finalmente revelando pela primeira vez o gigante que se esconde no centro da nossa Galáxia.
Este trabalho foi possível graças ao esforço conjunto de mais de 300 pesquisadores de cerca de 80 instituições de todo o mundo, que se juntaram na Colaboração EHT. Além de desenvolver ferramentas complexas para superar os desafios da imagem Sgr A*, a equipe trabalhou rigorosamente por cinco anos, usando supercomputadores para combinar e analisar seus dados, enquanto compilava uma biblioteca sem precedentes de buracos negros simulados para comparar com as observações.
Os cientistas estão particularmente animados por terem finalmente imagens de dois buracos negros de tamanhos muito diferentes, o que nos oferece a oportunidade de os comparar e contrastar. A equipe começou também a utilizar os novos dados para testar teorias e modelos de como é que o gás se comporta em torno de buracos negros supermassivos. Apesar de não ser ainda completamente compreendido, acredita-se que este processo desempenhe um papel crucial na formação e evolução das galáxias.
“Podemos agora estudar as diferenças entre estes dois buracos negros supermassivos para obtermos novas pistas sobre como é que este importante processo funciona”, disse Keiichi Asada, cientista do EHT do Instituto de Astronomia e Astrofísica da Academia Sínica, em Taipei. “Temos imagens de dois buracos negros — um grande e um pequeno — por isso vamos conseguir avançar muito mais do que até agora no sentido de compreendermos como é que a gravidade se comporta nestes meios tão extremos.”
Os progressos do EHT continuam: uma grande campanha de observação em março de 2022 incluiu mais telescópios do que nunca. A expansão contínua da rede EHT e atualizações tecnológicas significativas permitirão que os cientistas compartilhem imagens ainda mais impressionantes, bem como filmes de buracos negros em um futuro próximo.
Anatomia de um buraco negro
Notas
[1] Os telescópios individuais envolvidos no EHT em abril de 2017, quando as observações foram realizadas, foram: Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), Atacama Pathfinder EXperiment (APEX), Telescópio IRAM de 30 metros, James Clerk Maxwell Telescope (JCMT), Large Millimeter Telescope Alfonso Serrano (LMT), Submillimeter Array (SMA), UArizona Submillimeter Telescope (SMT), South Pole Telescope (SPT). Desde então, foram acrescentados à rede EHT os seguintes telescópios: Greenland Telescope (GLT), NOrthern Extended Millimeter Array (NOEMA) e UArizona 12-meter Telescope em Kitt Peak.
O ALMA é uma parceria entre o Observatório Europeu do Sul (ESO; Europa, em representação dos seus Estados Membros), a Fundação Nacional de Ciências dos Estados Unidos (NSF) e os Institutos Nacionais de Ciências da Natureza (NINS) do Japão, juntamente com Conselho de Pesquisa Nacional do Canadá (NRC), o Ministério de Ciência e Tecnologia (MOST; Taiwan), o Instituto de Astronomia e Astrofísica da Academia Sínica (ASIAA; Taiwan), e o Instituto de Astronomia e Ciências do Espaço da Coreia (KASI; República da Coreia), em cooperação com a República do Chile. O Observatório Conjunto ALMA é operado pelo ESO, pela Associação de Universidades, Inc./Observatório Nacional de Radioastronomia dos Estados Unidos (AUI/NRAO) e pelo Observatório Astronômico Nacional do Japão (NAOJ). O APEX, uma colaboração entre o Instituto Max Planck de Radioastronomia (Alemanha), o Observatório Espacial de Onsala (Suécia) e o ESO, é operado pelo ESO. O Telescópio de 30 metros é operado pelo IRAM (as Organizações Parceiras do IRAM são: MPG [Alemanha], CNRS [França] e IGN [Espanha]). O JCMT é operado pelo Observatório do Leste Asiático em nome do Observatório Astronômico Nacional do Japão; ASIAA; KASI; Instituto de Pesquisa Astronômica Nacional da Tailândia; Centro Astronômico de Mega-Ciência e organizações do Reino Unido e Canadá. O LMT é operado pelo INAOE e UMass, o SMA é operado pelo Centro de Astrofísica | Harvard & Smithsonian e ASIAA e o SMT é operado pela Universidade do Arizona. O SPT é operado pela Universidade de Chicago com instrumentação EHT especializada fornecida pela Universidade do Arizona.
O Greenland Telescope (GLT) é operado pelo ASIAA e pelo Smithsonian Astrophysical Observatory (SAO). O GLT faz parte do projeto ALMA-Taiwan e é parcialmente financiado pela Academia Sínica (AS) e pelo MOST. O NOEMA é operado pelo IRAM e o Telescópio de 12 metros em Kitt Peak é operado pela Universidade do Arizona.
[2] Uma base sólida para a interpretação desta nova imagem foi fornecida por pesquisas anteriores realizadas em Sgr A*. Desde os anos 1970 que os astrônomos tinham conhecimento da fonte rádio brilhante e densa localizada no centro da Via Láctea na direção da constelação do Sagitário. Ao fazer medições das órbitas de várias estrelas muito próximas no nosso centro galáctico durante um período de 30 anos, equipes lideradas por Reinhard Genzel (Diretor do Instituto Max Planck de Física Extraterrestre em Garching bei München, na Alemanha) e Andrea M. Ghez (Professor no Departamento de Física e Astronomia da Universidade da California, Los Angeles, EUA), concluiram que a explicação mais provável para um objeto dessa massa e densidade seria um buraco negro supermassivo. As infraestruturas do ESO (incluindo o Very Large Telescope e o Interferômetro do Very Large Telescope) e o Observatório Keck foram utilizados para realizar estes trabalhos, que partilharam o Prêmio Nobel da Física de 2020.
[3] Os buracos negros são os únicos objetos que conhecemos em que as massas estão diretamente ligadas ao tamanho, ou seja, um buraco negro mil vezes menor que outro é também mil vezes menos massivo.
Mais Informações
Esta pesquisa foi apresentada em seis artigos publicados hoje no The Astrophysical Journal Letters.
A colaboração EHT envolve mais de 300 pesquisadores da África, América do Norte e do Sul, Ásia e Europa, com o objetivo de capturar as imagens mais detalhadas já obtidas de buracos negros ao criar um telescópio virtual do tamanho da Terra. Apoiado por consideráveis esforços internacionais, o EHT conecta telescópios já existentes por meio de técnicas inovadoras — criando assim um instrumento fundamentalmente novo com o maior poder de resolução angular já alcançado.
O consórcio EHT é composto por 13 institutos principais: Instituto de Astronomia e Astrofísica da Academia Sínica, Universidade do Arizona, Universidade de Chicago, Observatório do Leste Asiático, Goethe-Universitaet Frankfurt, Institut de Radioastronomie Millimétrique, Large Millimeter Telescope, Instituto Max Planck de Rádio Astronomia, MIT Haystack Observatory, Observatório Astronômico Nacional do Japão, Perimeter Institute for Theoretical Physics, Universidade de Radboud e Smithsonian Astrophysical Observatory.
O Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), uma instalação astronômica internacional, é uma parceria entre o ESO, a Fundação Nacional de Ciências dos Estados Unidos (NSF) e os Institutos Nacionais de Ciências da Natureza (NINS) do Japão, em cooperação com a República do Chile. O ALMA é financiado pelo ESO em nome dos seus Estados Membros, pela NSF em cooperação com o Conselho Nacional de Pesquisa do Canadá (NRC) e do Conselho Nacional de Ciência de Taiwan (NSC) e pelo NINS em cooperação com a Academia Sinica (AS) em Taiwan e o Instituto de Astronomia e Ciências Espaciais da Coreia (KASI). A construção e operação do ALMA é coordenada pelo ESO, em nome dos seus Estados Membros; pelo Observatório Nacional de Radioastronomia dos Estados Unidos (NRAO), que é gerido pela Associação de Universidades, Inc. (AUI), em nome da América do Norte e pelo Observatório Astronômico Nacional do Japão (NAOJ), em nome do Leste Asiático. O Observatório Conjunto ALMA (JAO) fornece uma liderança e gestão unificadas na construção, comissionamento e operação do ALMA.
O APEX, Atacama Pathfinder EXperiment, é um telescópio de 12 metros de diâmetro que opera na região do milímetro e submilímetro do espectro eletromagnético — entre o infravermelho e as ondas rádio. O ESO opera o APEX num dos observatórios mais altos do planeta, a uma altitude de 5100 metros, no planalto do Chajnantor na região do deserto chileno do Atacama. O telescópio é uma colaboração entre o Instituto Max Planck de Radioastronomia (MPIfR), o Observatório Espacial de Onsala (OSO) e o ESO.
O Observatório Europeu do Sul (ESO) permite que cientistas de todo o mundo descubram os segredos do Universo para o benefício de todos. Nós projetamos, construímos e operamos observatórios de classe mundial no solo – que os astrônomos usam para para pesquisar as maiores questões astronômicas da nossa época e levar ao público o fascínio da astronomia – e promover a colaboração internacional em astronomia. Estabelecido como uma organização intergovernamental em 1962, hoje o ESO é apoiado por 16 Estados Membros (Áustria, Bélgica, República Tcheca, Dinamarca, França, Finlândia, Alemanha, Irlanda, Itália, Holanda, Polônia, Portugal, Espanha, Suécia, Suíça e Reino Unido), além do país anfitrião, o Chile, e a Austrália, como parceiro estratégico. A Sede do ESO e seu centro de visitantes e planetário, o Supernova do ESO, estão localizados perto de Munique, na Alemanha, enquanto o deserto chileno do Atacama, um lugar maravilhoso com condições únicas para observar o céu, hospeda nossos telescópios. O ESO opera três locais de observação: La Silla, Paranal e Chajnantor. No Paranal, o ESO opera o Very Large Telescope e o Interferômetro do Very Large Telescope, bem como dois telescópios de rastreio: o VISTA trabalhando no infravermelho e o VLT Survey Telescope de luz visível. Também no Paranal, o ESO hospedará e operará o Cherenkov Telescope Array South, o maior e mais sensível observatório de raios gama do mundo. Junto com parceiros internacionais, o ESO opera o APEX e o ALMA em Chajnantor, duas instalações que observam os céus na faixa milimétrica e submilimétrica. No Cerro Armazones, perto do Paranal, estamos construindo “o maior olho do mundo virado para o céu” – o Extremely Large Telescope do ESO. De nossos escritórios em Santiago, Chile, apoiamos nossas operações no país e nos relacionamos com parceiros e a sociedade chilena.
Imagem em destaque: Esta é a primeira imagem de Sgr A*, o buraco negro supermassivo situado no centro da nossa Galáxia. Trata-se da primeira evidência visual direta da presença deste buraco negro e foi capturada pelo Event Horizon Telescope (EHT), uma rede que liga entre si oito observatórios rádio existentes em todo o planeta, para formar um único telescópio virtual do “tamanho da Terra”. O nome do telescópio vem do horizonte de eventos (em inglês, event horizon), a fronteira de um buraco negro a partir da qual nem mesmo a luz consegue escapar. Embora não possamos ver o próprio horizonte de eventos, porque ele não pode emitir luz, o gás brilhante orbitando ao redor do buraco negro revela uma assinatura reveladora: uma região central escura (chamada sombra) cercada por uma estrutura brilhante em forma de anel. Esta nova imagem captura a luz que se curva sob a poderosa força da gravidade do buraco negro, o qual é cerca de quatro milhões de vezes mais massivo que o nosso Sol. A imagem do buraco negro Sgr A* é uma média das várias imagens diferentes extraídas pela Colaboração EHT das suas observações de 2017. Além de outras instalações, a rede EHT de observatórios rádio que tornou possível a obtenção desta imagem inclui o Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA) e o Atacama Pathfinder EXperiment (APEX), ambos instalados no deserto do Atacama no Chile, co-pertencentes e co-operados pelo ESO em prol dos seus Estados Membros na Europa. Crédito da foto: EHT Collaboration
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