Assédio moral no trabalho: violência que pode destruir funcionários e empresas no Brasil

Assédio moral no trabalho: violência que pode destruir funcionários e empresas no Brasil
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Tem sido cada vez mais difícil conseguir um emprego de uns tempos para cá. Décadas atrás, a disputa por uma vaga envolvia apenas seres humanos. Hoje, robôs entraram na competição e tomaram o lugar de muita gente. A eletrônica invadiu os espaços e a tarefa que antes necessitava de uma dezena de pessoas para ser realizada agora é feita com simples apertos de botão por um único trabalhador diante ou dentro de uma máquina super equipada tecnologicamente. Isso sem contar as idas e vindas de uma economia fragilizada, os lucros que os empresários obtêm aplicando seu dinheiro fora do setor produtivo etc etc. A lista é muito longa e, recentemente, um novo item passou a fazer parte dela: o surgimento de um vírus mortal e altamente transmissível se espalhou pelo planeta, fechou empresas, reduziu drasticamente o tamanho das que continuaram de portas abertas e fez com que os trabalhadores que permaneceram em seus postos passassem a desempenhar seus papeis em suas próprias casas.

Virou moda o chamado home office. Muitos setores da economia, por serem considerados essenciais, continuaram operando como operavam antes, mas mesmo eles sofreram adaptações em seu dia a dia. O mundo mudou.

Só que não. Agora que a pandemia do coronavírus parece ter dado adeus, os funcionários estão voltando a ocupar suas mesas, seus guichês e o atendimento ao público – tanto externo como interno – é presencial.

Se já não bastassem as dificuldades para se manter o emprego, o medo de perdê-lo, uma outra velha conhecida tira o sono de muita gente: o assédio moral no ambiente de trabalho. Já existia antes, continuou no sistema home office (aparentemente em menor escala) e fica mais evidente na reaproximação social em curso.

Preocupados com as necessidades de suas famílias, com a preservação do emprego, muitos trabalhadores acabam silenciando diante do assédio, colaborando para que esse comportamento – altamente negativo para a saúde mental de todos os envolvidos e também para a saúde financeira da empresa em que ele ocorre – continue.

Insegurança

De acordo com Gabriel Tortella, psicólogo e doutor em neurociência, o assédio moral, seja no ambiente de trabalho ou fora dele, gera na vítima a sensação de que não está sendo valorizada, de desrespeito, e é possível que isso impacte negativamente em seu desempenho, na sua produtividade, as metas estabelecidas pela gerência deixam de ser atingidas, a insegurança se instala. Não somente agora! No futuro também, porque a insegurança psicológica resultante pode produzir um trauma associado a cargos, perfis de pessoas, tipos de empresa… E aí, conseguir um emprego ou permanecer nele pode se transformar numa experiência sofrida.

Para não se chegar a esse estágio, para que se previna o assédio dentro da empresa, continua Tortella, é preciso que os líderes das equipes vistam-se de empatia, coloquem-se no lugar dos seus colaboradores, desenvolvendo uma escuta atenta e ativa em cada processo desenvolvido. O especialista lembra que os líderes são responsáveis por darem o exemplo e pela manutenção da cultura de valores no ambiente corporativo. “Assédio, em qualquer nível, indica que alguns desses aspectos não estão sendo colocados em prática pelas lideranças da empresa. Pelo contrário, existe ali a normalização do desrespeito e da desvalorização, ou seja, uma cultura contrária à da segurança psicológica e do convívio profissional saudável, que preze pela saúde mental dos funcionários”.

O neurocientista cita o documento The five keys to a successful google team, uma pesquisa realizada pelo Google. Nele, o fator segurança psicológica foi considerado como o principal aspecto a ser levado em consideração quando se busca construir equipes de alta performance.

Precisa mudar

Como já dissemos, o assédio moral está presente no ambiente de trabalho e ficou mais evidente com a volta dos empregados ao convívio presencial. Mas não tem que ser assim! É possível – e necessário – reagir! Como? Quando? O que pode ser feito?

Este artigo traz respostas para essas perguntas. Respostas dadas por especialistas nas áreas do Direito ouvidos pela Agência PáginaUm de Notícias. Elas lançam luz sobre a questão e indicam caminhos a seguir por quem está sofrendo assédio ou tenta se precaver dele.

Contra o assédio moral

Na atualidade, quais são as proteções que a legislação brasileira oferece às vítimas de assédio moral no ambiente de trabalho? O que é possível fazer para que essa situação tão prejudicial para todos os envolvidos deixe de estar presente nas relações trabalhistas?

Aqui é preciso ter em mente que o tamanho da empresa, nesse caso, não tem a mínima importância. Ela não precisa ser grande. Basta ser formada por duas pessoas! Numa microempresa composta por um patrão e um funcionário, o assédio ocorre de forma vertical, isto é, normalmente de cima para baixo, do hierarquicamente superior para o inferior. Numa empresa composta por três pessoas, a versão vertical pode estar presente, mas também surge o assédio em nível horizontal, aquele protagonizado por funcionários de mesmo status.

Existem complicadores. Alguém tem certeza de que está sendo assediado. E está mesmo! Mas não se prepara adequadamente para provar que está sendo vítima dessa ação corrosiva no ambiente de trabalho e aí o julgador não lhe dá ganho de causa caso recorra à justiça. Em outro cenário, alguém tem certeza de que está sofrendo assédio e, quando expõe o que está acontecendo para o advogado que pretende defendê-lo, descobre que a situação vivida por ele não se enquadra no que estabelece a lei. Pior ainda é quando a situação vivida pode ser ou não interpretada pelo juiz como assédio por ser dúbia, por permitir duplo entendimento.

A lei, essa peça criada pelo homem para regular as relações que o próprio homem estabelece com outros homens e com o ambiente em que vive, essa peça que indica o que é certo e o que é errado nos relacionamentos humanos varia no espaço. O que é certo no Brasil não é certo nos Emirados Árabes Unidos, por exemplo. E também varia no tempo. O que hoje é punido no Brasil, antes não era. A lei é um instrumento vivo e, por isso mesmo, está em constante transformação, infelizmente nem sempre para o bem dos que são regidos por ela.

Sendo assim, neste tempo, o que a legislação em vigor no Brasil define como sendo assédio?

Um ato de violência

André Leonardo Couto, advogado especialista em Direito do Trabalho, define o assédio moral como sendo um “ato de violência psicológica, que se expressa com gestos, palavras, atitudes ou escritos que tendem a comprometer/desestabilizar o equilíbrio emocional ou a integridade psíquica do trabalhador, por ser ofensivo à sua dignidade, personalidade ou valor pessoal, representando achaques geralmente intentados sob o manto do regular exercício das prerrogativas profissionais”.

Esse ato de violência ainda não é considerado crime no Brasil, mas há um projeto de lei nesse sentido em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal. Se aprovado, o assédio moral vai ser incluído como crime no Código Penal brasileiro (Decreto-Lei 2848, de 7 de dezembro de 1940), com pena de um a dois anos de detenção. A pena pode ser agravada em até um terço se a vítima for menor de 18 anos. Estamos falando do Projeto de Lei 4742, aprovado pela Câmara Federal em março de 2019, quase 18 anos depois de ter sido apresentado, em 2001, pelo deputado Marcos de Jesus.

Em sua justificativa, o parlamentar relata o seguinte:

“Não cogitamos da violência corporal ostensiva, já devidamente contemplada na lei penal. Referimo-nos à violência consubstanciada no comportamento abusivo que atinge o psicológico e emocional do cidadão. É a prática reiterada que é temperada o mais das vezes pela ironia, mordacidade e capricho, com evidente desvio de poder.

Ditados por razões de ordem interna, mas sob a aparente máscara de exercer a autoridade ditada pelo serviço, o chefe passa a tomar atitudes tendenciosas e discriminatórias contra o indigitado empregado, submetendo-o a um verdadeiro festival de torturas. E este, por temor de perder o emprego ou sofrer outro gravame, deixa-se crucificar. As consequências afloram posteriormente, sob a forma de doenças psicossomáticas, inclusive.

A gravíssima situação já foi diagnosticada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e os estudos por ela apresentados demonstram que, na União Europeia, 9% (nove por cento) dos trabalhadores, o que corresponde a 13.000.000 (trezentos milhões) de pessoas, convivem com os tratamentos tirânicos de seus patrões.

Estima-se que entre 10% (dez por cento) e 15% (quinze por cento) dos suicídios na Suécia sejam decorrentes desse comportamento abusivo. No Brasil, o fato foi comprovado por estudos científicos elaborados pela dra. Margarida Barreto, médica do trabalho e pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, conforme nos noticia a revista Cláudia/abril/2001/p. 116.

Em estudo preparado em dois anos e meio de pesquisas constatou, a referida médica, que nas consultas por ela realizadas em sindicatos, as pessoas queixavam-se de males generalizados. Aprofundando suas análises, verificou que 80% (oitenta por cento) dos entrevistados sofriam dores generalizadas, 45% (quarenta e cinco por cento) apresentavam aumento de pressão arterial, mais de 60% (sessenta por cento) queixavam-se das palpitações e tremores e 40% (quarenta por cento) sofriam redução da libido.”

(…)

“A conduta que pretendemos tipificar como crime caracteriza-se pela reiteração de atos vexatórios e agressivos à imagem e à autoestima da pessoa. Cite-se, como exemplo, marcar tarefas impossíveis ou assinalar tarefas elementares para a pessoa que desempenha satisfatoriamente papel mais complexo; ignorar o empregado, só se dirigindo a ele através de terceiros; sobrecarregá-lo com tarefas que são repetidamente desprezadas; mudar o local físico, sala, mesa de trabalho para outro de precárias instalações, como depósito, garagens, etc.” (*)

De acordo com a atual redação desse PL, assédio moral é uma “ofensa reiterada da dignidade de alguém que cause danos ou sofrimento físico ou mental no exercício do emprego, cargo ou função”.

Segundo a interpretação da lei, existem quatro situações que podem ser enquadradas como assédio moral:

  • assédio moral vertical descendente – quando o colaborador em nível hierárquico mais alto pratica a violência contra subordinados:
  • assédio moral vertical ascendente – quando o subordinado pratica o assédio moral contra seu superior;
  • assédio moral horizontal – praticado por colaboradores em mesmo nível hierárquico, não havendo relações de subordinação;
  • assédio moral misto – quando há um assediador vertical e horizontal; o assediado é atingido por todos, desde colegas de trabalho até o gestor.

Enquanto esse projeto de lei não é aprovado, a vítima tem a seu favor:

  1. os artigos 1º (incisos III e IV) e 5º (incivos X) e 6º da Constituição Federal;
  2. o artigo 186 do Código Civil;
  3. o artigo 116 (incisos II, IX e XI) da Lei 8.112/90 (se funcionário público)
  4. a CLT

Assédio pela rede social

Há quem pense que o assédio moral ocorre apenas no local de trabalho. Engana-se quem pensa assim. Por exemplo: um vendedor externo pode sofrer assédio moral, pode receber tarefas humilhantes, ser tratado com apelidos pejorativos. Pode ocorrer num grupo de WhatsApp inclusive! O assédio moral está presente quando fica demonstrada de forma clara a relação do ato sofrido com o emprego.

Porém, nem tudo o que parece ser assédio moral é, de fato, assédio moral. Leonardo Couto cita alguns exemplos:

  • exigências profissionais – “exigir que o trabalho seja cumprido com eficiência”;
  • aumento de volume de trabalho – “a realização de serviço extraordinário é possível, se dentro dos limites legais”;
  • uso de mecanismos tecnológicos de controle – “um exemplo é o ponto eletrônico”;
  • más condições de trabalho – “todos merecem um ambiente com condições de trabalho; trabalhar num ambiente pequeno, por exemplo, não é uma boa condição de trabalho, mas também não caracteriza assédio moral”.

Ilmar Muniz, advogado e professor de Direito Penal e Direito Constitucional, enfatiza: a implantação pela empresa de “meios de monitoramento do serviço, como sistemas para demonstrar produtividade, ou o aumento do volume de trabalho de forma repentina são atos profissionais típicos da relação de emprego que geram confusão sobre a ocorrência de assédio moral, mas não são caracterizadas dessa forma”.

O que fazer?

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Qualidade das provas é ponto chave para sucesso na Justiça – Foto de Sora Shimazaki/Pexels

Em primeiro lugar, prepare-se.

Muniz orienta que a vítima reúna provas dos atos, anotando datas e horas em que os fatos aconteceram, quem presenciou a conduta, o(s) nome(s) de quem realizou o assédio, o cargo do agressor ou dos agressores.

Vale a pena consultar a cartilha preparada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) sobre a violência contra as mulheres no trabalho (acesse AQUI). Nela, o órgão aborda situações de violência física, psicológica, moral e dá dicas sobre como denunciar situações discriminatórias.

Outro documento interessante é a cartilha “Assédio Moral e Sexual. Previna-se”, produzido pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e que pode ser acessada AQUI.

Uma terceira cartilha, elaborada pelo Comitê Permanente pela Promoção da Igualdade de Gênero e Raça do Senado Federal, dá algumas outras dicas:

  • denunciar situações de assédio moral próprio ou de colegas aos órgãos competentes ou à empresa prestadora de serviços;
  • dividir o problema com colegas de trabalho ou superiores hierárquicos de sua confiança, buscando ajuda, se possível;
  • buscar apoio com familiares e amigos;
  • afastar sentimentos de culpa e inferiorização, buscando apoio psicológico a fim de lidar com o problema de forma mais forte e sem comprometimento da saúde.

Em outras palavras, é muito importante romper o silêncio.

Em segundo lugar, rompa o silêncio!

Leonardo Couto e Ilmar Muniz concordam que o próximo passo é informar a empresa sobre o que está ocorrendo. Depois, se for o caso, procurar o sindicato da categoria ou um advogado.

“A conduta extra processo implica em denúncia formal do assédio junto aos gestores da empresa, para que a política interna possa realizar as devidas punições”, alerta Muniz. “Somente não obtendo sucesso com a empresa, somente quando o empregador não adote nenhuma medida eficaz para que o assédio moral cesse e/ou nenhuma medida reparatória que minimize os danos psicológicos no empregado vítima, aí sim é o momento de procurar o sindicato da categoria ou um advogado de confiança”, complementa Leonardo Couto.

Causa ganha? Pode ser que não…

Os especialistas ouvidos pela Agência PáginaUm de Notícias não conhecem nenhum levantamento estatístico que indique em termos percentuais quantos processos já analisados pela justiça brasileira deram ganho de causa à vítima de assédio moral no ambiente de trabalho.

O caminho do sucesso, segundo eles, tem a ver com a qualidade das provas apresentadas por quem se considera agredido. Com mais de 25 anos de atuação na área jurídica, Leonardo Couto destaca que muitas vítimas não ganham a causa devido à fragilidade das provas que apresentam. “Não adianta somente alegar que sofreu assédio moral. É necessário comprovar a sua reiteração e as formas como ele aconteceu, especialmente compartilhando com colegas de trabalho os sofrimentos causados”, alerta.

É muito frustrante comparecer a audiências, aguardar a conclusão do processo, que demora de dois a três anos, dependendo da localidade e do Estado em que ele tramita, para receber a notícia de que o juiz deu ganho de causa à outra parte exatamente porque as provas apresentadas não foram suficientes.

Além disso, a vítima pode ser demitida pelo empregador. Muniz esclarece que essa dispensa “só pode ocorrer no formato da lei: com justa causa, se provados atos do artigo 482 da CLT, ou sem justa causa, indenizando o trabalhador.

Pode também permanecer no emprego mas sofrer atos de constrangimento, como ameaças ou qualquer atitude que intimide. Caso isso ocorra, essas ações podem gerar processo separado para requerer indenizações e consequências penais, destaca Muniz.

Na prática, diz Leonardo Couto, o que se vê é que o assediado, iniciada a ação judicial enquanto empregado, consegue preservar no trabalho a sua integridade psíquica.


  • – texto publicado no Diário da Câmara dos Deputados, em 26 de maio de 2001, visto em 01 de maio de 2021 em http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD26MAI2001.pdf#page=74)

Imagem em destaque: Pexels

Como citar este artigo: ROSA Marco Antonio, jorn. Assédio moral no trabalho: violência que pode destruir funcionários e empresas no Brasil. Agência PáginaUm de Notícias, São Paulo, 01 mai. 2022. Disponível em: https://www.agenciapaginaum.mardelivros.com/?p=2042. Acesso em: inserir data em que o artigo foi acessado.

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