Sínodo pede ordenação de homens casados para que a igreja católica esteja ao lado dos povos amazônicos
Quem sabe, num futuro próximo, seja possível encontrar na Amazônia padres católicos casados celebrando missas de acordo com um novo rito, que vai incorporar elementos da tradição e até da teologia dos povos indígenas. É o que os participantes do Sínodo sobre a Amazônia pedem que o papa Francisco viabilize como alternativa à escassez de sacerdotes e à necessidade de uma presença permanente e mais próxima da igreja católica junto à população das comunidades do lugar. A proposta faz parte do documento aprovado pela assembleia especial que se encerrou no sábado, 26, e que, durante três semanas, reuniu na cidade do Vaticano mais de 180 bispos que atuam na área, abrangida por nove países e 33 milhões de pessoas, dos quais 2,5 milhões de indígenas.
Caso a sugestão avance, homens idôneos com reconhecida liderança junto aos fieis e que tenham um ‘fecundo’ diaconato permanente receberiam formação adequada para assumir o papel de párocos, mesmo tendo esposa e filhos num casamento legitimamente constituído e estável. O texto final foi aprovado por 128 votos a favor e 41 contra. O pedido vale apenas para a Amazônia mas também se estendeu para as mulheres, que ainda hoje têm função menor na hierarquia da igreja. No entanto, sua igualdade perante os religiosos homens vai depender do que a “Comissão de estudo sobre o diaconato das mulheres” decidir. Criada em 2016 pelo papa, a comissão, até o momento, não saiu do papel.
A recomendação tem um motivo: existem comunidades na Amazônia em que o padre só aparece para celebrar a eucaristia de quatro em quatro meses ou até mesmo uma vez a cada ano ou mais. Nessa imensa região de floresta, há um colossal deserto de sacerdotes. E se a igreja católica quer estar ao lado dos povos amazônicos, ela precisa se fazer presente em suas vidas. Em lugar de uma pastoral de “visita”, é necessário que haja uma pastoral de “presença permanente”. E essa necessidade é urgente.
Segundo os membros da assembleia, somente estando permanentemente presente nas comunidades é que a igreja comandada por Francisco poderá efetivamente estar ao lado dos povos e do meio ambiente amazônicos, contra todo tipo de exploração e destruição a que estão sujeitos atualmente. O documento propõe que a religião católica, juntamente com as demais, inclusive as indígenas e afrodescendentes, seja uma aliada dos povos amazônicos em oposição à violação de seus direitos humanos, aos danos sociais e ecológicos provocados por empresas que exploram a terra e contaminam a água em obediência a uma visão imediatista e mercantilista, de enriquecimento rápido, sem compromisso com a preservação dos recursos naturais. Pede que os governos deixem de considerar a região como uma dispensa inesgotável e defende um ‘novo paradigma de desenvolvimento sustentável’, socialmente includente e que combine conhecimentos científicos e tradicionais. Do contrário, acreditam eles, a atual situação só tende a piorar. O documento chama a atenção para as grandes feridas que fazem a Amazônia sangrar: modelos de produções predatórias; desmatamento que atinge 17% de toda a região; a poluição causada pelas indústrias extrativistas; mudanças climáticas; narcotráfico; alcoolismo; tráfico de seres humanos; a criminalização de líderes e defensores do território; a existência de grupos armados ilegais que fazem prevalecer as regras de quem os armou.
Causa preocupação o movimento migratório forçado de índios e populações ribeirinhas que vêm sendo obrigados a deixar suas terras e se instalar na periferia das cidades sem qualquer integração, sem atendimento nas áreas da saúde, da educação, sem respeito a seus direitos. Também assusta o que vem acontecendo com os jovens, dentre eles os indígenas, os quais “divididos entre tradição e inovação, imersos numa intensa crise de valores, vítimas de realidades tristes como a pobreza, violência, desemprego e novas formas de escravidão, acabam muitas vezes na prisão ou em mortes por suicídio”.
O documento ressalta que todo o esforço no sentido de marcar presença no território somente será válido caso a igreja aja na região guardando distância das ‘novas potências colonizadoras’, sem estar conivente com os poderes opressores das populações (como já aconteceu no passado), ouvindo de fato os povos amazônicos e exercendo sua atividade missionária de forma ‘transparente’ e sem qualquer imposição de caminhos a seguir.
As resistências no seio da igreja
As propostas de fim do celibato, de igualdade entre homens e mulheres dentro da igreja e a adoção de um rito de celebração da eucaristia com rosto amazônico geraram resistências imediatas no seio dos setores mais conservadores do catolicismo. Durante o encontro, eles se rebelaram constantemente contra o lugar destinado à cultura indígena, alguns até acusando o papa de cair na “idolatria”. Eles criticaram a cerimônia de abertura do sínodo que misturou orações católicas, rituais indígenas e utensílios tradicionais da Amazônia.
Três estatuetas de madeira trazidas da América do Sul e exibidas na Igreja Santa Maria in Transpontina, próxima do Vaticano, foram roubadas e jogadas no rio Tibre. Um vídeo publicado online mostrou os saqueadores jogando as imagens do alto da Ponte de Santo Ângelo. As esculturas, segundo o Vaticano, não eram de forma alguma uma referência à Virgem Maria, mas sim uma representação da fertilidade da Mãe Terra, a Pachamama. Na sexta-feira, 25, o Papa Francisco pediu perdão por esse roubo, como bispo de Roma. As estatuetas foram finalmente recuperadas pelos Carabineiros, a quarta força armada da Itália.