Escravizados no Brasil perderam o direito de saber de onde vieram, lamenta Djamila Ribeiro
Na segunda-feira, 27 de março, as Nações Unidas realizaram em sua sede, nos Estados Unidos da América, uma cerimônia em memória das vítimas da escravidão e do comércio de escravos. Participaram do evento o secretário-geral da ONU, António Guterres, e seu atual presidente, Csaba Korosi, que defendeu a educação como forma de conscientizar as gerações presentes e futuras dos horrores do comércio transoceânico que escravizou por mais de 400 anos mulheres, crianças e homens. De acordo com Korosi, foram mais de 15 milhões de vítimas que tiveram sua identidade roubada.
A brasileira Djamila Ribeiro, professora, filósofa, e jornalista, falou aos presentes no evento dedicado ao Dia Internacional em Memória das Vítimas da Escravidão e do Comércio Transatlântico de Escravos, lembrado todo dia 25 de março. A escritora, cujo primeiro livro, “Lugar de Fala”, está sendo traduzido para o inglês e deve ser publicado ainda neste ano pela editora da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, afirmou que, como negra, não lhe foi dado o direito de saber de onde veio.
“Entre os negros, falando do contexto brasileiro, como a gente foi apartado da nossa identidade, isso dificultou muito com que a gente se entendesse. Houve quase 300 anos de escravidão, depois queimam-se os documentos referentes à escravidão. Eu não sei, por exemplo, de onde meus antepassados vieram. Então, quando a gente não sabe de onde a gente veio, é muito mais fácil a gente ir para onde dizem que a gente tem que ir. Nós, como negros brasileiros, a gente tem esse buraco porque um descendente de italiano no Brasil, muitas vezes, ele sabe, descobre, ele tira a cidadania italiana. Eu queria poder tirar a cidadania não sei de Gana, da Nigéria. Mas eu não sei de onde meus ancestrais vieram”, disse ela.
A filósofa brasileira acredita que, na busca pela memória, muitos africanos acabaram criando um mito de uma “África romantizada” que tampouco traduz a realidade de seus próprios contextos.
“Precisamos nos aproximar da África”
“E isso pra gente é algo muito doloroso. A forma como o Estado brasileiro lida com essa questão da memória, destruindo, apagando. Então, a gente teve que reconstruir e, muitas vezes, a gente acabou romantizando uma África. Criando uma África mítica. Não entendendo que em África também havia conflitos. São 55 países. Culturas diferentes, línguas diferentes. Então, como brasileiro, muitas vezes, a gente acabou romantizando, o que é compreensível, mas que também não pode acontecer. Eu acho que essas aproximações são mais necessárias. A gente precisa estar mais próximo, eu acho, enquanto povo negro na diáspora de povo negro que quer entender as suas origens.
Só fui saber das minhas origens, mais ou menos, por teste genético. E aí deu que eu sou 80% da Nigéria. Mas eu não tenho a quem procurar, na Nigéria, a respeito da minha árvore genealógica. Então, acho que é importante que a gente dialogue mais. Que a gente possa dialogar mais.
Acho também que a colonização dificulta isso porque cada país fala um idioma. No Brasil, a gente tem dificuldade de aprender outros idiomas. Você só aprende um idioma se você tiver dinheiro para pagar. Isso dificulta também com que a gente dialogue.
Acho que a gente precisa ter mais diálogo e conhecer mais a história. Acho que nós, enquanto brasileiros, precisamos conhecer mais a história de África, dos países africanos. A gente tem tanta resistência a religiões de matriz africana, que estão lá presentes. E não tem como a gente não fazer isso. E geralmente, o brasileiro vai olhar para a Europa, para os Estados Unidos. Eu acho que os Estados Unidos têm bastantes coisas interessantes, tem várias lutas, mas acho que a gente precisava olhar mais para o continente africano”, destacou.
Djamila Ribeiro foi professora universitária e escreveu vários livros. Ela lidera uma editora que publica autores brasileiros e de outros países.