Obesos com insuficiência cardíaca: pesquisa derruba paradoxo e culpa índice de massa corporal
Novas pesquisas estão derrubando a ideia de que existe um “paradoxo da obesidade”, segundo o qual pacientes com sobrepeso ou obesos e insuficiência cardíaca têm menor probabilidade de ser hospitalizados ou morrer do que pessoas com peso normal. Estudo publicado no European Heart Journal na quarta-feira, 22, a suposta vantagem de sobrevivência para pessoas com um índice de massa corporal (IMC) de 25kg/m² desaparece se os médicos medirem a proporção entre a cintura e a altura de seus pacientes.
O “paradoxo da obesidade” refere-se a descobertas contra-intuitivas que sugerem que, embora as pessoas corram maior risco de desenvolver problemas cardíacos se estiverem com sobrepeso ou obesidade, uma vez que uma pessoa desenvolveu uma condição cardíaca, aqueles com IMCs mais altos pareciam se sair melhor e foram menos propensos a morrer do que aqueles com peso normal. Várias explicações foram sugeridas, incluindo o fato de que, caso alguém desenvolva problemas cardíacos, alguma gordura extra daria uma certa proteção contra novos problemas de saúde e morte, especialmente porque as pessoas que desenvolvem uma doença crônica grave geralmente perdem peso.
“Tem-se sugerido que viver com obesidade é bom para pacientes com insuficiência cardíaca e fração de ejeção reduzida – que é quando a câmara principal do coração é incapaz de ejetar as quantidades normais de sangue. Sabíamos que isso não poderia estar correto e que a obesidade deveria ser ruim, e não boa. Achávamos que parte do problema estaria no IMC, um indicador fraco de quanto tecido adiposo um paciente possui”, diz John McMyrray, professor de Cardiologia Médica na Universidade de Glasgow (Reino Unido), líder da pesquisa agora publicada.
Como escrevem o professor Stephan von Haehling, cardiologista consultor, e o dr. Ryosuke Sato, pesquisador, ambos do Centro Médico da Universidade de Göttingen (Alemanha), o IMC não leva em consideração a composição corporal de gordura, músculo e osso, ou onde a gordura é distribuída. “Seria viável supor que um lutador profissional americano (mais músculos) e um lutador de sumô japonês (mais gordura) com o mesmo IMC teriam um risco semelhante de doença cardiovascular? O mesmo é verdade para pessoas como Arnold Schwarzenegger em sua juventude, quando estrelou como o ‘Exterminador do Futuro’ com um IMC de aproximadamente 30 kg/m2”, ressaltam.
O estudo que acaba de ser publicado é o primeiro a examinar diferentes formas de medir o tamanho e as proporções dos pacientes, incluindo o IMC, mas também medidas antropométricas, como relação cintura-altura, circunferência da cintura e relação cintura-quadril, e ajustar a resultados do paciente para levar em consideração outros fatores que desempenham um papel ou predizem esses resultados, como níveis de peptídeos natriuréticos – hormônios que são secretados no sangue quando o coração está sob pressão, como na insuficiência cardíaca.
“Os peptídeos natriuréticos são a variável prognóstica mais importante em pacientes com insuficiência cardíaca. Normalmente, os níveis de peptídeos natriuréticos aumentam em pessoas com insuficiência cardíaca, mas os pacientes que vivem com obesidade têm níveis mais baixos do que aqueles com peso normal”, diz McMurray.
Os autores analisaram dados de 1.832 mulheres e 6.567 homens com insuficiência cardíaca e fração de ejeção reduzida que foram inscritos no estudo controlado randomizado internacional PARADIGM-HF em 47 países e seis continentes. Quando os pacientes foram randomizados, os médicos coletaram dados sobre IMC, pressão arterial, medidas antropométricas, resultados de exames de sangue, históricos médicos e tratamentos. Os pesquisadores estavam interessados ??em saber quais pacientes foram hospitalizados com insuficiência cardíaca ou quem morreu dela.
Um “paradoxo obesidade-sobrevivência” mostrou taxas de mortalidade mais baixas para pessoas com IMC de 25 kg/m 2 ou mais, mas isso foi eliminado quando os pesquisadores ajustaram os resultados para levar em consideração todos os fatores que podem afetar os resultados, incluindo níveis de peptídeos natriuréticos.
Jawad Butt, pesquisador do Hospital Universitário de Copenhague – Rigshospitalet, Copenhague (Dinamarca), que realizou as análises, diz: “ O paradoxo era muito menos evidente quando analisamos as relações cintura-altura e desapareceu após ajuste para variáveis ??prognósticas. Após o ajuste, tanto o IMC quanto a relação cintura-altura mostraram que mais gordura corporal estava associada a um maior risco de morte ou hospitalização por insuficiência cardíaca, mas isso foi mais evidente para a relação cintura-altura. Ao analisar a relação cintura-altura, descobrimos que 20% das pessoas com mais gordura tinham um risco 39% maior de serem hospitalizados por insuficiência cardíaca em comparação com as pessoas dos 20% inferiores que tinham menos gordura”.
O Prof. McMurray disse: “Nosso estudo mostra que não existe um ‘paradoxo da sobrevivência da obesidade’ quando usamos melhores formas de medir a gordura corporal. O IMC não leva em consideração a localização da gordura no corpo ou sua quantidade em relação ao músculo ou o peso do esqueleto, que pode diferir de acordo com sexo, idade e raça. Especificamente na insuficiência cardíaca, o líquido retido também contribui para o peso corporal. São os índices que não incluem o peso, como a relação cintura-altura, que esclarecem a verdadeira relação entre a gordura corporal e os resultados dos pacientes em nosso estudo, mostrando que uma maior adiposidade está realmente associada a resultados piores e não melhores, incluindo taxas altas de internação e pior qualidade de vida relacionada à saúde.
“A obesidade não é boa e é ruim em pacientes com insuficiência cardíaca e fração de ejeção reduzida. Essas observações levantam a questão de saber se a perda de peso pode melhorar os resultados, e precisamos de ensaios para testar isso. No Reino Unido, o National Institute for Health and Care Excellence (NICE) agora recomenda que a relação cintura-altura em vez do IMC seja usada para a população em geral em lugar do IMC e devemos apoiar isso também para pacientes com insuficiência cardíaca.
“É importante porque o subdiagnóstico de insuficiência cardíaca em pessoas que vivem com obesidade é uma questão importante na atenção primária. Os sintomas de falta de ar dos pacientes são muitas vezes descartados como devidos apenas à obesidade. A obesidade é um fator de risco e condutor de insuficiência cardíaca. Enquanto no passado a perda de peso pode ter sido uma preocupação para pacientes com insuficiência cardíaca e fração de ejeção reduzida, hoje é a obesidade.”
O professor von Haehling e o dr. Sato escrevem em seu editorial: “Os presentes achados alertam sobre o termo ‘paradoxo da obesidade’, que se afirma ser baseado no IMC. Podemos dizer aos pacientes obesos com IC [insuficiência cardíaca] para ficarem como estão? Para abordar adequadamente essa questão, não apenas o paradoxo da obesidade deve ser revisitado mesmo em pacientes com IC com fração de ejeção preservada (ICFEp) e em pacientes com IC magros por RCEst [relação cintura-altura], que reflete melhor os processos fisiopatológicos da obesidade, mas também são necessários mais testes para validar o efeito da perda de peso em pacientes com IC ‘verdadeiramente’ obesos com alta RCEst”.
O estudo apresenta algumas limitações: pode ser mais difícil medir com precisão as formas do corpo, como a circunferência da cintura, especialmente quando as medições são realizadas por pessoas diferentes; pode haver outros fatores desconhecidos que podem afetar os resultados; a análise foi realizada em medidas e outros dados coletados no momento em que os participantes ingressaram no estudo e não levou em consideração nenhuma alteração no peso ou na circunferência da cintura durante o período de acompanhamento; não havia dados sobre a aptidão cardiorrespiratória dos participantes, o que poderia interferir na relação entre as medidas antropométricas e os desfechos; e, finalmente, apenas 153 pacientes estavam abaixo do peso, com IMC inferior a 18,5 kg/m2 , e 171 pacientes com relação cintura-altura inferior a 0,4 (0,5 é considerada uma proporção saudável). Portanto, os achados do estudo não podem ser extrapolados para pacientes com baixo IMC ou relação cintura-quadril.