Arte expõe independências do Brasil que não aconteceram no Ipiranga e nem no Sete de Setembro

Arte expõe independências do Brasil que não aconteceram no Ipiranga e nem no Sete de Setembro

Uma história sobre a construção visual do Sete de Setembro no Brasil. Esse é o mote da exposição “O Sequestro da Independência”, que desde 13 de agosto está aberta à visitação pública na Galeria Arte 132. Com curadoria de Lilia Moritz Schwarcz, Lúcia Klück Stumpf Carlos Lima Junior, a exposição foi concebida em diálogo com o livro “O Sequestro da Independência – Uma história da construção do mito do Sete de Setembro” (Companhia das Letras, 2022), que será lançado no mesmo dia e que narra a construção imagética do mito do 7 de setembro. Os curadores da exposição são, também, os autores do livro. Na mostra, além de obras históricas, o público poderá ter contato com uma vitrine de objetos – incluindo originais e uma única reprodução – pertencentes à D. Pedro e ao legado da República do Brasil.

Propositadamente realizada a partir da reprodução de obras muito conhecidas, e outras nem tanto, a mostra pretende iluminar as narrativas imagéticas em torno de nossa emancipação política em quatro momentos chave: durante o processo de independência, em 1822; por ocasião da comemoração de seu centenário, em 1922; no ano de 1972, quando a ditadura militar celebrou os 150 anos do evento; e neste ano de 2022. A intenção é demonstrar como se formam diferentes memórias visuais, e como cada contexto político “sequestra” significados para que se adequem ao momento e inflamem a imaginação. Para isso, servem também os objetos históricos, tais quais um relicário em ouro e esmalte com a mecha de cabelos de d. Pedro I; uma moeda de 20 cruzeiros (do Sesquicentenário da Independência do Brasil; em ilustração: d. Pedro I com Médici, 1972); uma tabaqueira em ouro e outros tantos expostos em uma vitrine, com o propósito de ilustrar a narrativa visual que coordenou o período da Independência no imaginário brasileiro.

Capa do livro O Sequestro da Independência – Uma história da construção do mito do Sete de Setembro

“Muitas nações se imaginam a partir de uma pintura, a qual, por sua vez, foi imaginada em diálogo com outras telas, muitas vezes estrangeiras. Aqui não foi diferente.”, explica o trio de curadores. Mas, para eles, a tela do artista Pedro Américo, “Independência ou morte”, de 1888, tem um sentido especial para a construção da nacionalidade do povo brasileiro. “De pintura encomendada pela Comissão construtora do Edifício-Monumento (futuro Museu do Ipiranga) em 1886, e apoiada por   d. Pedro II – numa forma de homenagem de filho para pai – foi virando apenas uma ilustração; um retrato fiel do 7 de setembro às margens do Ipiranga, progressivamente despida de seu significado original, autoria e contexto.”, ressalta o núcleo curatorial.

Os capítulos abordados no livro giram em torno de seis constatações, estas também transportadas para a exposição. São elas: 

  1. Os detalhes de uma tela – vale a pena “ler” uma pintura a partir do todo, mas também por meio de seus detalhes – todos igualmente significativos; 
  2. 1822: o fato da proclamação da independência ter acontecido primeiro no Rio de Janeiro, não em São Paulo, às margens do Ipiranga; 
  3. O artista Pedro Américo é europeu e nada conhecia das terras brasileiras, portanto, retratou, em seu quadro, uma “independência europeia”, sendo o protagonista d. Pedro e não os populares (localizados no canto esquerdo da tela), uma pintura em tudo desajustada; 
  4. 1922: a disputa do protagonismo entre o Museu Paulista (Museu do Ipiranga, SP) e o Museu Histórico Nacional (RJ) para retratar o período da independência, encomendando quadros que ilustrassem momentos e figuras históricas;
  5. 1972: a comemoração ativa dos 150 anos de emancipação política por parte do governo ditatorial militar, que usou isso como estratégia para desviar as atenções da violência que ocorria nas ruas do país;
  6. Outras independências pelo Brasil: estados do Norte e Nordeste brasileiro travaram inúmeros conflitos armados durante esse período. Por isso, passaram a encomendar pinturas que destacavam a atuação de seus líderes locais nas lutas durante as guerras de Independência, rompendo com essa visão sudestina, palaciana, europeia e masculina do processo de independência;
  7. E, por fim, outros ecos do Grito de Independência: a força e popularidade da tela de Pedro Américo no século XX e XXI foram tamanhas que ela virou uma espécie de imaginação nacional. Por isso, foi relida inúmeras vezes por propagandas, sátiras políticas e por artistas contemporâneos que igualmente trataram de “sequestrar significados”.

Por ter caráter educativo e revisionário da história do país, a intenção principal dos curadores e da galeria, ao idealizarem a exposição, é que ela percorra diferentes escolas pelos estados do Brasil, levando à educação primária e secundária uma visão plural e mais verossímil sobre a Independência da República, datada de 7 de setembro de 1822. Muito diferente do que foi retratado no quadro de Pedro Américo e em outras obras que D. Pedro encomendou para ilustrar este período, integraram os batalhões durante os conflitos armados mulheres, crianças, indígenas e negros escravizados, os verdadeiros “heróis da independência”. 

Sobre os curadores 

Lilia Schwarcz é professora titular no departamento de antropologia da USP e Global Scholar na Universidade de Princeton. É autora de, entre outros livros, O espetáculo das raças (1993), As barbas do imperador (1998, prêmio Jabuti de Livro do Ano), A batalha do Avaí (com Lúcia Klück Stumpf e Carlos Lima Junior, 2013), Brasil: Uma biografia (com Heloisa Murgel Starling, 2015) e Lima Barreto: Triste visionário (2017, prêmio Jabuti de Biografia). Ao lado de Luiz Schwarcz, com quem é casada, fundou a editora Companhia das Letras em 1986.

Lúcia Klück Stumpf é professora na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP e pesquisadora pós-doutoranda pelo departamento de Artes Plásticas da ECA-USP. Doutora em antropologia social pela Universidade de São Paulo com pesquisa sobre arte, raça e cultura visual no século XIX, com ênfase na visualidade da Guerra do Paraguai (1864-1870). É autora, com Lilia Moritz Schwarcz e Carlos Lima Junior, de A batalha do Avaí (2013). 

Carlos Lima Jr. é docente do curso de especialização Museologia, Cultura e Educação da (PUC-SP) e pesquisador e pós-doutorando pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UNICAMP. É doutor em estética e história da arte pelo Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP). É autor, com Lilia Moritz Schwarcz e Lúcia Klück Stumpf, de A batalha do Avaí (2013).

Serviço 

O Sequestro da Independência

Curadoria e texto crítico: Lilia Schwarcz, Lúcia Klück Stumpf e Carlos Lima Junior
Local: Galeria Arte132 – Av. Juriti, 132, Moema, São Paulo – SP
Período expositivo: de13 de agosto a 24 de setembro de 2022
Horários de visitação: segunda a sexta, das 14h às 19h. Sábados, das 11h às 17h 
Entrada gratuita 

Imagem em destaque: Independência ou Morte, 1888, tela de Pedro Américo.

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